> ...

História da Igreja

A Igreja, que é "a coluna e sustentáculo da verdade" (1Tm 3,15), guarda fielmente a fé uma vez por todas confiada aos santos (Cf. Jd 1,3). É ela que conserva a memória das Palavras de Cristo, é ela que transmite de geração em geração a confissão de fé dos apóstolos. Como uma mãe que ensina seus filhos a falar e, com isso, a compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Mãe, nos ensina a linguagem da fé para introduzir-nos na compreensão e na vida da fé. (Catecismo da Igreja Católica)

Do Nascimento ao Triunfo
1. O terreno onde a semente foi plantada

Há quase dois mil anos, o mundo mediterrâneo era controlado por Roma. O Grande Império se estendia da Síria até Portugal, das Ilhas Britânicas até o Egito. Fundado pelo gênio de Otávio Augusto, que soube concentrar em suas mãos o poder sem destruir as aparências da República, o Império vivia, no início da nossa era, um período de paz e prosperidade (Pax Romana).
O helenismo, a influência dos costumes e do pensamento gregos sobre o mundo mediterrâneo, estimulava o gosto pelas coisas espirituais (estoicismo, platonismo). Uma grande efervescência religiosa atingia todas as camadas da sociedade. O panteão romano, retocado pelo Olimpo grego, conservava seu prestígio e contava com inúmeros fiéis devotos. Mas existiam outras correntes se desenvolvendo. Pregadores anunciavam seus deuses em cada canto do Império. Vindos do Egito, através de Alexandria, chegavam os mistérios de Ísis e de Serápis. Os fenícios adoravam seus baalins. Em Roma, havia o culto sensual da deusa Cibele, mãe de Pessinonte. O orfismo afirmava a existência de mediadores entre Deus e os homens - para os pitagóricos, um Logos. As almas mais inquietas e sedentas de eternidade se voltavam para Mitra, o deus-sol dos arianos, cujo culto se fortalecia com a astrolatria caldéia. Uma enorme diversidade de sincretismos e superstições pululava por toda a parte.

Trazido do Oriente, desenvolvido pelos sucessores de Alexandre Magno, o culto ao soberano se implantou no Império. Quando morria um imperador, logo surgia um culto oficial à sua divindade. Nas províncias orientais, o imperador era adorado ainda em vida.

No meio dessa babel de crenças, um povo fazia questão de manter-se fiel a um só Deus, fugindo de toda contaminação pagã. Na Diáspora ou na Palestina, o pequeno povo de Israel jamais havia esquecido a fé dos antepassados, Abraão, Isaac e Jacó, e de como Yahweh os tinha libertado da escravidão no Egito. Tinha consciência do seu status superior, de ser uma raça escolhida e predestinada por Deus, herdeira das promessas divinas.
Entre Yahweh e o seu povo havia um laço, a Torá, a Lei que Moisés recebera no monte Sinai e que tinha de ser observada zelosamente. A Lei era uma coletânea de preceitos éticos e religiosos fixados em um conjunto de cinco livros sagrados, o Pentateuco. Ao lado do Pentateuco existiam outros livros, de cunho histórico, profético, poético, salmos... A sua coleção formava as Escrituras Sagradas do judaísmo.

Na época de Jesus ainda não havia um cânone fixo das Escrituras. Só depois, no final do século III, surgirá uma definição mais rigorosa. Ao lado dos livros, havia entre os judeus uma tradição oral, transmitida de pai para filho. O sinédrio, tendo a frente o sumo sacerdote, e os escribas, era o responsável pela guarda da Lei. Jerusalém, a cidade sagrada, e seu templo, eram o centro da religiosidade dos judeus.

Fora da Palestina, o judaísmo alexandrino começava a assimilar elementos do platonismo e do estoicismo. Fílon de Alexandria (13 a.C. a 54 d.C.) construiu um sofisticado sistema teológico e filosófico que integrava as Escrituras com certas correntes do pensamento grego. Tal movimento influenciava profundamente as comunidades judias da Diáspora e preparava o caminho para o desenvolvimento da teologia cristã.

Na Terra Santa, qualquer tentativa de assimilação com o helenismo era fortemente repelida. Antíoco Epífanes teve a ousadia de colocar um Júpiter olímpico no templo de Jerusalém e por isto enfrentou a ira dos Macabeus. Uma verdadeira guerra santa. Mesmo quando Roma reduziu Israel à condição de simples vassalo, o povo de Deus se apegou mais ainda à fé de seus pais e se uniu aos fariseus, sucessores dos piedosos (hasidim) da época dos Macabeus.
Os fariseus tinham uma espiritualidade centrada na meditação e no cumprimento da Torá. Para eles o pai judeu que ensinasse grego ao seu filho era maldito. Impunham uma rígida observância do Sábado. Cuidavam para que os menores mandamentos fossem sempre respeitados. Acreditavam na imortalidade da alma, na ressurreição, na existência de anjos, contrariando os ensinamentos dos saduceus, os quais só reconheciam o Pentateuco.
Os zelotas, rebeldes que combatiam a dominação romana pela luta armada, encarnavam o nacionalismo judeu em sua forma mais fanática e intransigente. Os essênios, segundo Flávio Josefo, se estabeleciam em várias cidades e eram numerosos. A comunidade essênia de Qumrã se diferenciava por seu estilo de vida cenobítico. Os Manuscritos do Mar Morto, encontrados recentemente, nos deram mais informações sobre este grupo em particular.
"Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei..." (Gl 4,4).

2. O Messias

Nazaré era apenas uma pequena povoação, uma aldeia entre tantas outras da região da Galiléia. Quem passasse por ali veria um ajuntamento desordenado de casas em uma encosta rochosa, com uma fonte nas proximidades, cuja água havia atraído seus primeiros habitantes.
Nazaré não tinha boa fama. Ainda hoje existe um ditado na Palestina que diz: "A quem Deus quer castigar, com uma nazarena o faz casar". E Natanael, ao saber que Jesus era de lá, perguntou a Filipe: "De Nazaré pode vir algo bom?".
Neste lugar desprezado por todos vivia uma jovem, desposada por um carpinteiro chamado José. Embora provavelmente não chamasse a atenção, a não ser por sua profunda piedade, fé e pureza de coração, tinha sido ela a escolhida, a eleita de Deus para ser a Mãe do Messias. O salvador esperado por Israel e profetizado nas Escrituras, que libertaria o povo da opressão e implantaria um Reino maior que o de David.
Maria, a cheia de graça, soube por um anjo qual era a decisão de Deus... e disse sim.
Adotado por José, Jesus nasceu em Belém, na Judéia, talvez entre os anos 6 e 7 antes da nossa era (outros situam o seu nascimento entre 4 e 5 a.C. - há controvérsias; o monge sírio Dionísio, o Pequeno, no séc. VI, cometeu um erro na hora de fixar a divisão em a.C. e d.C., adiantando a data do nascimento de Jesus em alguns anos). Durante trinta anos viveu "escondido". Ajudava o pai e a mãe, cuidava de tarefas domésticas, estudava a Torá, aprendia o ofício de carpinteiro, "crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens" (Lc 2,52).
Um dia, arrumou suas ferramentas, despediu-se de sua mãe, e partiu rumo ao rio Jordão, onde seu primo, João Batista, pregava e batizava.
Depois de ser batizado e de passar algum tempo no deserto, Jesus dá início ao seu ministério público. Escolhe doze apóstolos - os fundamentos de sua Igreja, entre os quais se destacam Pedro, Tiago e João. Atravessa a Palestina várias vezes realizando milagres e pregando o Reino de Deus. Boa parte dos seus ensinamentos são proferidos na Galiléia: a oração do Pai Nosso, as bem-aventuranças, o anúncio da paixão... Sua visão da Lei e seu modo de agir incomodam os responsáveis pela religião oficial que começam a tramar meios para eliminá-lo. O modo como se relaciona com Deus - seu Pai, e a afirmação velada de sua divindade, eram intoleráveis para os fariseus e os escribas.
No final do ano 29, Jesus desce lentamente para Jerusalém. Sabe que sua hora está próxima. A festa do domingo de Ramos é logo sucedida pela prisão, pelo processo diante de Pôncio Pilatos, procurador romano, e pela condenação à morte na cruz.
Provavelmente no dia 14 de Nisã do ano 30, ou 7 de abril no nosso calendário, uma sexta-feira, Jesus de Nazaré morre crucificado juntamente com dois ladrões. No madeiro, uma placa com a inscrição: Jesus de Nazaré, rei dos Judeus, escrita em hebraico, grego e latim. Ao pé da cruz, estavam um grupo de mulheres, incluindo sua mãe, e um discípulo. Depois do suplício, o corpo de Jesus é colocado por alguns seguidores em um sepulcro ali perto. Tudo parecia terminado.
É fácil aceitar que Jesus morreu. Mas sua ressurreição é algo que escandaliza, que parece ferir o bom senso e a razão. No entanto, é exatamente isto que os apóstolos testemunharam três dias depois do "desastre" em Jerusalém. Jesus ressuscitou, ele vive! A ressurreição é o fulcro, a base de toda a fé cristã: "...se Cristo não ressuscitou, ilusória é a vossa fé..." (1Cor 15,17).
Jesus apareceu várias vezes aos apóstolos. Deixou-lhes instruções, preparou-os mais um pouco para o que viria a seguir. Quarenta dias depois da Páscoa, "subiu aos Céus", não sem antes prometer outro Paráclito para conduzir a sua Igreja.

3. Nasce a Igreja

Os Evangelhos mostram a Igreja como um barco, no qual Jesus está presente, embora em alguns momentos pareça estar dormindo (Mt 8,23-27). O mar que este barco atravessa é a História, às vezes calmo, outras vezes turbulento e ameaçador. Há quase dois mil anos o barco saiu de seu porto. Não sabemos quando chegará ao seu destino, mas temos certeza de que Jesus nunca o abandonará.
A Igreja é um projeto que nasceu do coração do Pai, prefigurada desde o início dos tempos, preparada na Antiga Aliança com Israel, instituída por Cristo Jesus. A Igreja é o Reino de Deus misteriosamente presente no mundo. Ela se inicia já com a pregação de Jesus. Foi dotada pelo Senhor de uma estrutura que permanecerá até o fim dos tempos. Edificada sobre Pedro e os demais apóstolos, é dirigida por seus legítimos sucessores.
A Igreja começa e cresce do sangue e da água que saíram do lado aberto do crucificado. Nela se conserva a comunhão eucarística, o dom da salvação oferecido por Jesus em nosso favor.
A Igreja é indefectivelmente santa, sem mancha e sem ruga, porque o próprio Deus nela habita, santificando-a por sua presença. O pecado dos fiéis não lhe pertence. Só em sentido derivado e indireto se pode falar de "Igreja pecadora".
Em Pentecostes, "a Igreja se manifestou publicamente diante da multidão e começou a difusão do Evangelho com a pregação" (Ad Gentes, n. 4).
Pentecostes do ano 30. Todos reunidos: os apóstolos, Maria, parentes de Jesus, algumas mulheres. Um ruído de ventania desce do céu. Línguas como de fogo surgiram e se dividiram entre os presentes. Todos ficaram repletos do Espírito de Deus e começaram a falar em outras línguas.

Esta assembléia inicial, esta kahal, ekklesia, igreja, é o princípio. Depois do prodígio das línguas, Pedro dirigiu-se à multidão reunida na praça e fez uma memorável pregação. Muitos se converteram, especialmente judeus vindos da Diáspora. Estes levaram a Boa-Nova aos seus locais de origem, o que provocou o surgimento, bem cedo, de comunidades cristãs em Damasco, Antioquia, Alexandria e mesmo em Roma. Alguns helenistas, no entanto, permaneceram em Jerusalém. Para cuidar de suas necessidades materiais, os apóstolos escolheram sete diáconos.
Filipe, um dos sete, evangelizou em Samaria (foi lá que Simão, o Mago, ofereceu dinheiro aos apóstolos Pedro e João em troca do Espírito Santo, donde o termo simonia - tráfico de coisas sagradas e de bens espirituais) e anunciou à Boa Nova a um etíope, funcionário da casa real de Candace.
Estevão era o diácono que mais se destacava. Por sua pregação incisiva, é detido pelas autoridades judaicas, julgado e apedrejado como blasfemador. Torna-se o primeiro mártir da História da Igreja. Enquanto é assassinado, perdoa os seus perseguidores e entrega, confiante, a sua vida nas mãos de Jesus.
O manto de Estevão foi deixado aos pés de um jovem admirador do ideal farisaico chamado Saulo.

4. "Por que me persegues?"

Saulo, Schaoul, natural de Tarso da Cilícia, filho da tribo de Benjamim, a mesma do rei David. Filho de comerciantes ricos, cidadão romano, ligado à seita dos fariseus, aluno do glorioso rabino Gamaliel, zeloso defensor da Torá.
Depois de oito dias atravessando a estrada arenosa que ligava Jerusalém a Damasco, o coração cheio de fúria, inflamado pelo fanatismo religioso, Saulo estava cansado mas prosseguia com obstinação. Era mais ou menos meio-dia.
Subitamente, uma luz muito forte o envolveu e o fez cair por terra. Enquanto tentava compreender o que estava acontecendo, ouviu uma voz: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" Assustado, perguntou: "Quem és, Senhor?" A voz lhe respondeu: "Eu sou Jesus a quem tu persegues". "Senhor, que queres que eu faça?" A voz disse: "Levanta-te, entra na cidade. Aí te será dito o que deves fazer".
Saulo, o perseguidor, converteu-se no grande arauto do cristianismo, um caso único. Alguém que não chegou a conhecer Jesus pessoalmente, que não fazia parte dos doze, mas que se lançou na difícil missão de evangelizar os povos pagãos, percebendo que não era necessário passar pelo judaísmo para se tornar discípulo de Jesus.
Embora Pedro já tivesse aberto a porta da Igreja para os gentios, Saulo, ou Paulo, merece sem dúvida o título de Apóstolo das Gentes.
Em 44, achava-se na cidade de Antioquia (foi lá que pela primeira vez os discípulos de Jesus receberam o nome de "cristãos") com Barnabé. Ao longo de um ano trabalharam juntos. Na primavera de 45, tomaram um barco para a ilha de Chipre e depois seguiram para a Panfília, percorrendo, em seguida, a Licaônia. Paulo entrava nas sinagogas, pregava, procurava demonstrar que Jesus era o Messias esperado usando as Escrituras. Depois, voltava-se para os pagãos e anunciava-lhes a Boa-Nova. Sempre encontrou muitos obstáculos no seu ministério, principalmente a oposição de seus irmãos de raça.
Quando voltou para Antioquia entrou em confronto com os judaizantes, que impunham o rito da circuncisão como pré-requisito para seguir Jesus. A controvérsia é levada até Jerusalém, diante de Pedro, Tiago e João (o famoso Concílio de Jerusalém, cerca de 49), os quais aprovam o procedimento de Paulo. Para salvar-se o que importa não é a circuncisão, mas a fé em Cristo que opera pela caridade. Isto selou o rompimento do cristianismo com o judaísmo.
Em 49, Paulo sai de Antioquia para uma viagem de três anos. Deixa Barnabé e toma Silas como companheiro. Na cidade de Listra, Paulo e Silas encontram Timóteo e seguem atravessando a Frígia e a Galácia, alcançando a Macedônia. Em Filipos são presos. Em Tessalônica são acusados de adversários do imperador pelos judeus, porque diziam que Jesus era rei. Em Beréia, a sinagoga escuta atentamente a pregação de Paulo, comparando suas palavras com o que havia nas Escrituras.
Quando entra em Atenas, fica impressionado com a enorme quantidade de ídolos e monumentos aos deuses. Discute com os atenienses na ágora, tentando usar um pouco da linguagem da filosofia para lhes falar de Jesus. Quando trata da cruz e da ressurreição, no entanto, é ridicularizado. Crer que um escravo crucificado saiu de seu túmulo era demais para a sofisticação intelectual grega.
Logo a seguir desce para Corinto, cidade portuária, na qual existem dois escravos para cada homem livre. Lá, onde trabalha muita gente vinda do Oriente, o acolhimento do Evangelho é maior do que em Atenas. Como fabricante de tendas, Paulo fica na cidade por dezoito meses. Neste período envia suas duas cartas aos Tessalonicenses. Após uma breve escala em Éfeso, Paulo volta para a Síria pelo mar.
Em 53, Paulo realiza sua terceira viagem missionária, a mais demorada de todas. Escolhe Éfeso como base de ação (54-57), de onde envia a epístola aos Gálatas e a primeira epístola aos Coríntios. Em Corinto estavam surgindo divisões que enfraqueciam seriamente a comunidade.
Um fabricante de estatuetas de Ártemis provoca um grande tumulto em Éfeso, contra os cristãos, o que obriga Paulo a partir. O apóstolo segue para a Macedônia, onde escreve a segunda epístola aos Coríntios. Fica em Corinto novamente e de lá redige a carta aos Romanos, pedindo ajuda para efetuar uma viagem evangelizadora até a Espanha.
Antes disso é preciso ir até Jerusalém levar a coleta feita no Oriente em favor da Igreja-mãe. Saindo de Filipos, ele passa por Trôade e depois chega a Mileto. Aos efésios, que foram encontrar-se com ele, confidencia que não espera mais vê-los.
Em Cesaréia tentam detê-lo. No ano de 58, em Pentecostes, encontra-se na cidade santa. Quase linchado, é preso. Quando vai ser flagelado, apela para sua condição de cidadão romano, e faz com que o enviem a Cesaréia, onde mora o procurador Félix. A questão se arrasta por dois anos. O sucessor de Félix, Festo, cansado de ouvir os apelos de Paulo a César, envia-o para Roma.
Quando finalmente chega à capital do Império, passa dois anos em liberdade vigiada, correspondendo-se com as comunidades de Colossas, Éfeso e Filipos. Neste ponto se encerra a narrativa dos Atos dos Apóstolos.
As epístolas a Tito e a Timóteo são de um segundo cativeiro, na época da perseguição de Nero.

5. As primeiras comunidades cristãs

O que mais impressiona nas primeiras comunidades é o fervor e a coragem dos cristãos. Diante das autoridades e dos líderes religiosos do seu tempo, os fiéis não temem confessar que Jesus é o Messias. A presença do Espírito Santo é muito viva. Cada igreja local tinha seus ministros, apóstolos, profetas, doutores... Todo o fiel recebia de Deus carismas especiais, que devia colocar à disposição da comunidade (dom de línguas, sabedoria, cura, ensino...).
A atuação feminina era expressiva, mas não havia confusão entre o papel do homem e o papel da mulher (a sociedade romana era muito machista e tratava a mulher como se fosse propriedade do marido; as crianças também eram desprezadas, podendo ser rejeitadas ou abandonadas à própria sorte pelo pai - tudo isto muda entre os cristãos). Em Cristo não há diferença de dignidade entre grego e judeu, homem e mulher, escravo (a sociedade romana era escravocrata) e livre. Todos se reuniam para celebrar a eucaristia (ou fração do pão) especialmente no domingo (que substituiu o sábado como o sétimo dia dos cristãos, por causa da ressurreição do Senhor), oravam em comum, partilhavam seus bens, ajudavam os pobres. O rito de iniciação cristã era o batismo, no qual os efeitos da morte redentora de Cristo eram aplicados sobre o crente. Havia ainda a imposição de mãos, ou Crisma, através da qual o fiel confirmava o seu compromisso e assumia uma missão na comunidade, e a unção dos enfermos, que servia para curar e confortar os doentes.
Uma fonte importante sobre a vida das comunidades cristãs do final do séc. I e início do séc. II é a Didaqué, ou Instrução dos Doze Apóstolos, uma espécie de catecismo primitivo. A primeira parte da Didaqué apresenta os dois caminhos que o homem pode escolher: o da vida e o da morte. Seguem-se orientações para a conduta dos fiéis e exortações. Na segunda parte há uma descrição da vida sacramental e da oração. O batismo é feito em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e, quando a imersão não é possível, a água pode ser simplesmente derramada três vezes sobre a cabeça de quem vai receber o sacramento. Os crentes devem jejuar duas vezes na semana e rezar o Pai Nosso três vezes por dia. A celebração dominical (Missa) é o sacrifício verdadeiro que cumpre a profecia de Ml 1,10s. Antes de se realizar a fração do pão os fiéis fazem uma espécie de ato penitencial (exomologese). A Didaqué também fala de apóstolos, profetas inspirados pelo Espírito Santo (os quais chama de sumo sacerdotes) e mestres que percorrem as igrejas. Bispos e diáconos são escolhidos pelos fiéis, com a mesma dignidade dos profetas e dos mestres. Por último, adverte contra os "falsos profetas e corruptores", e contra o anticristo que virá quando o fim estiver próximo. Aqueles que perseverarem na fé durante a grande tribulação serão salvos. Depois que o céus se abrirem, após o soar da trombeta e a ressurreição dos mortos, "o mundo verá o Senhor vindo sobre as nuvens do céu".
Sobre a penitência, já lemos no evangelho de João (Jo 20,21-23) que Cristo conferiu aos apóstolos o poder de perdoar pecados. Paulo, em sua primeira carta aos Coríntios, condena um caso de incesto e excomunga os responsáveis, esperando que com isto eles se arrependam e retornem para o Senhor. Na epístola de Tiago há uma exortação para a confissão dos pecados (Tg 5,16-18). Há casos, porém, de faltas graves para as quais se hesita em reconhecer a possibilidade de remissão (Hb 10,26ss; ver também a distinção que o apóstolo João faz entre pecados que levam à morte e pecados que não levam à morte, 1Jo 5,16). Quem renega a fé não encontrará misericórdia para seu crime, segundo o autor da carta aos Hebreus.
Os primeiros cristãos eram geralmente gente simples, das camadas sociais mais baixas. Exteriormente não se distinguiam das outras pessoas do seu tempo, mas viviam de modo honesto e digno. Procuravam ser obedientes às autoridades e oravam pelos governantes.
À frente de cada comunidade havia epíscopos, ou então um colégio de presbíteros. Havia também diáconos, que cuidavam da administração e da distribuição dos bens entre os necessitados. Tanto os epíscopos como os presbíteros e os diáconos eram ordenados através da imposição de mãos. Esta estrutura ministerial, ainda não muito precisa, deu origem à hierarquia da Igreja tal como a conhecemos hoje.
Com Santo Inácio de Antioquia as coisas ficarão mais claras: "Que todos, assim como reverenciam Cristo, reverenciem os diáconos, o bispo, que é a imagem do Pai, e os presbíteros, que são o Senado de Deus, a Assembléia dos Apóstolos". No início do século II, este regime se imporá naturalmente entre as igrejas da Ásia.
O que não se pode negar é que, desde os seus primórdios, a Igreja possui uma constituição hierárquica, formada pelos apóstolos e por Pedro, e que esta constituição foi transmitida sempre e ininterruptamente através do sacramento da Ordem. Os apóstolos fundaram comunidades e ordenaram pessoas para presidi-las. Estas, por sua vez, ordenaram outras como sucessoras, e o processo prosseguiu em uma cadeia contínua que permite ligar cada bispo, cada padre, cada diácono da Igreja de hoje aos apóstolos e, dos apóstolos, ao próprio Jesus Cristo.
De modo particular, o bispo de Roma é o sucessor do apóstolo Pedro e, portanto, responsável por garantir a unidade e a integridade da fé da Igreja.
Outra característica relevante dos primeiros cristãos era a ansiedade pelo retorno do Senhor, a Parusia. Pelas cartas de Paulo vemos que a volta iminente de Jesus era crença comum. Nas assembléias litúrgicas ouvia-se freqüentemente a exclamação cheia de esperança: "Maranatha! Vem Senhor Jesus!" Com o tempo percebeu-se que a vinda de Jesus não era tão iminente.
O cristianismo se aproveitou da imensa rede de estradas que interligava o Império. Desenvolveu-se principalmente no meio urbano. De boca em boca, através de escravos, mercadores, viajantes, judeus helenizados, artesãos, a Boa-Nova ia chegando aos lugares mais distantes. O Império de Roma tornou-se, logo, a "pátria do cristianismo".

6. Pedro e Paulo

Muitos opõem Pedro a Paulo e insinuam inclusive que a autoridade deste último na Igreja primitiva era superior à do primeiro. Nada mais falso. Os Evangelhos mostram claramente a importância de Pedro como chefe do colégio apostólico e intermediário de Jesus. "Tu és Kefa e sobre esta Kefa edificarei a minha Igreja". Estas palavras já são suficientes para estabelecer a importância e a autoridade superior de Pedro. Junte-se a isto o testemunho dos Atos dos Apóstolos e o próprio testemunho de Paulo, que fez questão de se encontrar com Pedro para ter confirmada a sua missão.
Durante a perseguição de Agripa I, Pedro fica preso, mas graças às orações da Igreja é milagrosamente libertado. Daí em diante não temos mais informações exatas sobre o seu paradeiro.
Segundo a tradição, Pedro e Paulo foram as colunas da Igreja de Roma. Na Cidade Eterna, durante a perseguição de Nero, por volta do ano 64, as vidas dos dois apóstolos foram ceifadas no martírio (Pedro morreu talvez no ano 64 e Paulo em 63. Mas há estudiosos que propõem outras datas).
Crê-se que Paulo foi decapitado e Pedro crucificado de cabeça para baixo.
Quando Paulo estava já perto da morte, escreveu estas palavras:
"Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo de minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Desde já me está reservada a coroa da justiça, que me dará o Senhor, justo juiz, naquele Dia; e não somente a mim, mas a todos os que tiverem esperado com amor a sua Aparição" (2Tm 4,6-8).

7. Os outros Apóstolos

Existe também uma tradição, consignada por Eusébio de Cesaréia, que diz que os apóstolos foram dispersos pelos quatro cantos da terra. Tomé teria ido para o país dos partos, Mateus para a Etiópia, André para a Cítia e João, para a Ásia, morrendo em Éfeso. O evangelista Marcos teria fundado igrejas no Egito.
Tiago, irmão de João, foi decapitado por ordem de Agripa I, em 44. Em 62, o sumo sacerdote Anã manda apedrejar Tiago, irmão do Senhor e bispo de Jerusalém. Ele é sucedido por Simeão, filho de Cleófas e de Maria, irmã da mãe de Jesus.

8. João
Entre os anos 92 e 96, João, o discípulo que Jesus amava, encontrava-se na ilha de Patmos, deportado por ordem do imperador Domiciano. De seu exílio testemunhava a crueldade das perseguições contra a Igreja.
Inspirado por Deus, sentindo a necessidade de reagir contra o desespero e a angústia que ameaçavam os cristãos, escreveu um livro que é o grito de esperança e confiança em Deus de todo seguidor de Jesus: o Apocalipse.
Quando o primeiro século chega ao seu final, o apóstolo é um ancião venerável, cheio de glória e santidade, reverenciado por toda a Igreja. O seu corpo conservava as marcas do suplício do óleo fervente, do qual tinha sobrevivido milagrosamente.
Entre 96 e 104 conclui o quarto Evangelho. Entre suas maiores preocupações estavam as heresias e os erros que ameaçavam a integridade da fé. Seu estilo teológico é bem particular, marcado por influências do pensamento grego (o Verbo, ou Logos, por exemplo).
Com a morte do discípulo que Jesus amava, aquele que recebeu Maria em sua casa como mãe, que viu o sangue e a água saindo do lado do Salvador e que conheceu e tocou com as mãos o Verbo da Vida, encerram-se os tempos apostólicos.

9. O Novo Testamento

Ao longo do século I vão se formando as Escrituras cristãs. A língua em que foram escritos os livros do Novo Testamento é o grego (o grego no Império Romano era como o inglês em nossos dias - a língua universal). Colecionam-se as epístolas de Paulo como livros inspirados. As várias tradições orais sobre a vida de Jesus e seus ensinamentos se cristalizam nos evangelhos. Em torno do ano 50 temos o Evangelho de Mateus escrito em aramaico. O Evangelho de Marcos é redigido por volta de 64, em Roma. O Evangelho de Lucas, o Evangelho de Mateus em grego e os Atos dos Apóstolos aparecem a partir do ano 70.
Outros apóstolos e figuras ilustres também redigiram epístolas. Pedro (1Pd c. 64, 2Pd entre 70 e 80), João (1Jo, mais ou menos em 95, 2Jo e 3Jo foram escritas um pouco antes), Tiago (Tg em torno de 62) e Judas (Jd entre 70 e 80). A epístola aos Hebreus é datada por volta do ano 67.
Ainda assim, a fixação do cânone do Novo Testamento levaria um bom tempo. Juntamente com os livros inspirados circulavam inúmeros evangelhos, epístolas, atos de apóstolos e apocalipses apócrifos.

10. O fim de Jerusalém

Cansado da brutalidade dos procuradores Albino (62-64) e Géssio Floro (64-66), e incitado pelos zelotas, o povo judeu se revoltou. Em Cesaréia e Jerusalém houve grande agitação. A fortaleza Antônia e o palácio de Herodes foram consumidos pelas chamas. As suas guarnições foram massacradas. Ataques contra guarnições romanas pipocavam em toda a Palestina.
Durante o inverno de 66-67, o legado da Síria levou doze legiões pela costa mediterrânea e conseguiu chegar aos muros de Jerusalém, mas foi derrotado pelos guerrilheiros judeus. A vitória exaltou os ânimos dos rebeldes. Chegaram a ser cunhadas moedas de prata com a data do "primeiro ano da liberdade" de Israel.
Roma reagiu com força. Em 67 Nero enviou o general Vespasiano, que devastou a Galiléia com sessenta mil soldados. Mas, ao chegar na região montanhosa do país, sofreu várias baixas, algumas bem graves.
Na Páscoa do ano 70, Vespasiano, sucessor de Nero (depois de alguma confusão), enviou o seu filho Tito para Jerusalém, com todas as forças necessárias. A cidade santa foi cercada.
Depois de cinco meses de horror, o cerco termina com a vitória dos romanos. Jerusalém é reduzida a ruínas, o Templo incendiado e muitos cadáveres ficam apodrecendo pelas ruas. A resistência judaica é reduzida a grupos insignificantes.
O último reduto fica em Massada. No ano 73, Flávio Silva, legado da Judéia, triunfa sobre os revoltosos sicários chefiados por Eleazar, os quais, para evitarem uma humilhante rendição, preferem matar-se uns aos outros.
Tais fatos só contribuíram para aumentar ainda mais a tensão entre judeus e cristãos. O historiador Tácito fala de um comentário feito por Tito, evocando "a luta de uma destas seitas contra a outra [judeus e cristãos], apesar da sua origem comum".
Por volta do ano 93, o historiador judeu Flávio Josefo, em suas Antigüidades Judaicas, descreve detalhadamente o cerco e a destruição da cidade santa.
No começo do século II, o imperador Adriano (117-138) ordenou a reedificação de Jerusalém. Mas, ao mesmo tempo, mandou encher a cidade de ídolos. As sobras da resistência de Israel ficaram inflamadas. Um pseudo-messias chamado Bar Kókeba, e um certo rabi Akiba, incentivam a revolução.
Mais três anos de horror se sucedem. Os fanáticos combatem em duas frentes: contra os romanos e contra os cristãos. Roma esmaga impiedosamente os agitadores. Bar Kókeba é degolado e os sobreviventes dispersos. Os judeus só poderão aproximar-se novamente de Jerusalém apenas a cada quatro anos, para poderem chorar e lamentar a sua desgraça

11. Roma e o Cristianismo - primeiras perseguições


Melitão, bispo de Sardes, cidade da Ásia Menor, escreveu uma carta para o imperador Marco Aurélio defendendo os cristãos perseguidos. Nesta carta, ele fala da providencial coincidência entre o nascimento do Império e o aparecimento do cristianismo. Jesus nasceu quando Augusto era imperador, e pregou no reinado de Tibério. A rápida expansão do cristianismo se deveu principalmente à unificação da bacia mediterrânea sob o poderio romano e às facilidades proporcionadas pelas estradas e rotas marítimas, que permitiam a rápida circulação de pessoas e idéias.
Mas quando foi que o Império começou a se dar conta da existência do cristianismo?
O documento oficial mais antigo falando dos cristãos é do ano 112: uma carta enviada a Trajano pelo procônsul da Bitínia, Plínio, o Jovem.
A opinião pública confundia os judeus com os cristãos. Geralmente ambos os grupos eram vítimas das mesmas acusações e maledicências. Mas em Roma a diferença foi percebida bem cedo. Em 49, Cláudio "expulsa de Roma os judeus que se agitavam por instigação de Crestos [Cristo?]" (Suetônio).
Nero começou a governar com a idade de 17 anos. Dirigiu o Imperium de 54 a 68. Mandou matar o irmão, a mãe e seu mestre, Sêneca (os dois últimos sob influência da sua amante, Popéia Sabina). Em 62 divorciou-se da mulher, Otávia, a qual fez exilar em Pandatária. Tantos crimes provocaram a indignação popular.
Foi na noite de 18 (ou 19?) de julho de 64 que as trombetas dos sentinelas começaram a ser ouvidas pelos quatro cantos de Roma. O fogo se espalhava rapidamente. Depois de cento e cinqüenta horas, quatro dos catorze bairros da cidade tinham sido completamente devorados pelas chamas, enquanto de sete só sobravam as paredes das edificações ou escombros inabitáveis.
Sobre as causas da calamidade circularam vários rumores. Alguns pensaram que tinha sido apenas um acidente. Mas atribuir ao acaso tamanha destruição não parecia uma hipótese muito plausível. Precisava-se de um culpado. E logo o seu nome começou a correr de boca em boca.
Seria o próprio Nero o responsável? Sabia-se que ele desejava demolir as velhas construções para edificar uma nova Roma. Talvez fosse um castigo dos deuses por causa dos crimes hediondos do imperador. Suetônio nos fala de um boato segundo o qual Nero teria permanecido em uma torre durante o incêndio, com roupas de teatro e uma lira, admirando o terrível espetáculo e entoando um poema de sua autoria sobre a conquista de Tróia e o fogo nela ateado pelos guerreiros de Agamenon.
Nero logo teve de arrumar um bode expiatório. Através de torturas e falsas testemunhas, obteve as "provas" para acusar os cristãos. As prisões ficaram lotadas a ponto de Tácito se referir aos encarcerados como uma "grande multidão". Sob acusação de "inimigos do gênero humano", os cristãos foram perseguidos.
Tertuliano fala de um instrumento jurídico instituído por Nero para legalizar a perseguição, o Institutum Neronianum, que afirmava a ilicitude do cristianismo ("non licet esse Christianos", não é lícito ser cristão). Mas os historiadores não são unânimes em reconhecer isto como fato.
Não apenas os cristãos eram trucidados, degolados e crucificados no circo de Nero (que ficava localizado onde hoje está a Basílica de São Pedro). Organizaram-se verdadeiras caçadas nos jardins do imperador, com fiéis fantasiados de animais. Foram encenadas as mais escabrosas cenas, copiando a mitologia pagã, onde os "atores", cristãos, eram humilhados e ultrajados de mil maneiras e com sadismo indescritível. Durante a noite, pelas alamedas, cristãos cobertos de pez e resina ardiam em chamas, queimados vivos, iluminando o caminho para a passagem da carruagem de Nero.
Pedro, em uma de suas epístolas, alude a esses terríveis sofrimentos. Mais tarde, quando João escrever o Apocalipse, a sua lembrança ainda será muito viva.
Nada mudou com Domiciano (81-96), que se autoproclamou "Dominus et Deus". Quando o século I termina, a fé cristã já começa a conquistar as classes mais altas, chegando até o palácio do imperador. Flávio Clemente, Flávia Domitila, parentes de Domiciano, e Acílio Glábrio, um dos cônsules de 91, eram cristãos. Para satisfazer a alegria das elites pagãs, o imperador massacra os fiéis, tomando seus bens e executando-os sob a acusação de ateísmo. Na Ásia a perseguição foi bem violenta.
Trajano (98-117), mais tolerante, responde a Plínio, o Jovem, em uma carta dizendo que os cristãos não deviam ser procurados e que as denúncias anônimas deviam ser ignoradas. Os cristãos convictos que se recusassem a abandonar suas crenças, no entanto, seriam punidos. O Rescrito de Trajano, como é conhecido este documento, estabeleceu jurisprudência.

12. Os padres apostólicos

A geração cristã que sucede aos apóstolos tem à sua frente bispos e presbíteros, entre os quais se destacam algumas figuras, luminosas por sua santidade, sabedoria e zelo doutrinal: os Padres Apostólicos.
Seus escritos são muito parecidos com as epístolas do Novo Testamento. Procuram mostrar aos fiéis a importância da salvação concedida por Cristo, reforçam a esperança no seu retorno, exortam à obediência aos pastores das suas comunidades e alertam para o risco das heresias e cismas.
São eles: Clemente Romano, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Pápias de Hierápolis, Barnabé e Hermas.

a) Clemente Romano

Clemente possuía, na sua época, grande autoridade, embora tenha sido conservado apenas um escrito de sua autoria: a carta aos Coríntios. A Igreja na Síria atribuiu a esta carta valor canônico, e o Codex Alexandrinus da Bíblia a incluiu entre os livros inspirados. Em torno do ano 170 o bispo Dionísio de Corinto atesta a sua leitura litúrgica.
Orígenes e Eusébio identificam Clemente com o colaborador de Paulo citado em Fl 4,3. De acordo com Santo Ireneu, ele foi o terceiro sucessor de Pedro em Roma (Pedro, Lino, Anacleto, Clemente). Para Tertuliano, no entanto, Clemente recebeu a Ordem diretamente do Príncipe dos Apóstolos.
O seu exílio para o Quersoneso Taurino e o seu martírio no mar Negro não podem ser considerados como fatos históricos.
A carta aos Coríntios, de Clemente, foi redigida nos últimos anos de Domiciano imperador (c. de 96). A razão de tal carta foram contendas naquela igreja. Membros mais jovens da comunidade haviam deposto os presbíteros. Quando a notícia chegou a Roma, Clemente interveio.
Nesta carta podemos detectar já a presença e o exercício do carisma petrino. Com autoridade, o bispo da Cidade Eterna exorta os coríntios a se submeterem aos seus superiores eclesiásticos, exigindo que a estrutura hierárquica da Igreja de Deus seja respeitada.

b) Inácio de Antioquia

Bispo da cidade de Antioquia, Inácio foi condenado, no reinado de Trajano, a ser dilacerado pelas feras. Em seu trajeto para o martírio, da Síria até Roma, escreveu sete cartas, para as igrejas de Éfeso, Magnésia, Trales, Roma, Filadélfia, Esmirna, e para seu irmão no episcopado, Policarpo.
Para Inácio, a eucaristia é "a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, que sofreu por nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressuscitou". Ensina que para a unidade da Igreja é fundamental a comunhão com a hierarquia: bispos, presbíteros e diáconos.
Santo Inácio utiliza, pela primeira vez, o termo "Igreja católica" para designar a verdadeira Igreja de Jesus Cristo. "Onde aparece o bispo, aí esteja a multidão, do mesmo modo que onde está Jesus Cristo, aí está a Igreja católica". Distingue a comunidade de Roma dentre todas as demais. É ela a igreja que "preside na região dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna de louvor, digna de sucesso, digna de pureza, que preside ao amor, que porta a lei de Cristo, que porta o nome do Pai..." Lá os apóstolos Pedro e Paulo selaram seu testemunho. Em Roma se encontra o autêntico magistério da fé.
Seu martírio ocorreu por volta do ano 110.

c) Policarpo de Esmirna

Policarpo chegou a conhecer o apóstolo João, que o constituiu bispo de Esmirna. Em meados do século I tentou fazer um acordo, em Roma, com o papa Aniceto, sobre o dia da celebração litúrgica da festa da Páscoa (primeira controvérsia quartodecimana). O heresiarca Marcião, ao encontrá-lo, perguntou ao santo se o conhecia. Policarpo respondeu: "Sim, eu te conheço. És o primogênito de Satanás". De acordo com o testemunho de Santo Ireneu, Policarpo escreveu várias epístolas a diversas comunidades e a bispos em particular. A única que nos chegou foi a remetida para a igreja de Filipos.
O Martírio de São Policarpo é a mais antiga narrativa de um martírio de que se tem notícia. Não se pode duvidar de sua autenticidade. Em um de seus trechos mais belos, o santo bispo recebe a ordem de amaldiçoar Jesus Cristo. Policarpo responde: "Há oitenta e seis anos que o sirvo; jamais ele me fez mal algum; como poderei eu blasfemar contra meu Rei e Salvador?" Quando as chamas da fogueira milagrosamente se desviavam do seu corpo, teve de ser morto com uma punhalada. E. Schwartz acredita que a morte de Policarpo se deu no dia 22 de fevereiro de 156.
Seus ossos foram recolhidos por fiéis, "mais valiosos que pedras preciosíssimas, mais apreciados que o ouro, e os sepultaram num lugar apropriado, onde se poderiam reunir eles em cada aniversário" - evidência de um culto de relíquias ainda em estado embrionário.

d) Pápias de Hierápolis

Pápias conheceu o apóstolo João e foi companheiro de São Policarpo. Bispo de Hierápolis, redigiu cinco livros relatando ensinamentos e atos de Jesus e dos que o seguiam (cerca de 130).
Eusébio, em sua História Eclesiástica, chama Pápias de espírito mesquinho, por causa de suas inclinações milenaristas. Da obra de Pápias só restam alguns fragmentos, um dos quais fala da origem dos evangelhos de Mateus e Marcos.

e) Barnabé

Na verdade a única referência que temos sobre este Barnabé é uma epístola. Clemente Alexandrino, Orígenes e a tradição em geral, atribuem esta epístola ao Barnabé companheiro de São Paulo. Eusébio de Cesaréia e Jerônimo consideram o documento como apócrifo.
A primeira parte do escrito fala sobre o Antigo Testamento e analisa as várias prefigurações do Cristo. A segunda, no estilo da Didaqué, expõe a doutrina das duas vias, a da luz e a das trevas.
Provavelmente o seu autor era um mestre gentio convertido. A composição da carta não tem data certa. Possivelmente depois do ano 130.

f) Hermas

Hermas era um comerciante de condição simples, cristão, com uma visão um pouco estreita, mas sincero e piedoso. Para Eusébio e Orígenes, tratava-se do mesmo Hermas referido por São Paulo em Rm 16,14.
Sua única obra conhecida é chamada de o Pastor de Hermas. Seguindo o modelo dos apocalipses judaicos, é uma exortação forte à penitência que utiliza muitas imagens misteriosas. Afirma a possibilidade de haver perdão dos pecados após o batismo, embora por tempo limitado. Contradizendo muitos autores antigos, Hermas considera lícito um novo matrimônio depois da viuvez.
Os Padres da Igreja, grandes representantes do cristianismo dos primeiros séculos, explorarão as riquezas da Escritura e da Tradição para expor e aprofundar a fé.

13. Perseguições do 2º século - a gesta dos mártires

Os Antoninos, Adriano (117-138), Antonino Pio (138-161) e Marco Aurélio (161-180) não fizeram mudanças na legislação anticristã. Esporadicamente eclodiam novas perseguições e a Igreja ganhava novos mártires. Muitas vezes era a turba que, fanatizada, levada pela inveja ou pelo patriotismo, denunciava e entregava os cristãos ao poder público.
Na Gália temos os mártires de Lyon, em 177. Uma revolta popular arrastou para a morte cinqüenta cristãos, entre eles Potino, o bispo, que contava na ocasião 90 anos, o diácono Sanctus e a escrava Blandina. Esta última suportou com incrível coragem inúmeros tormentos antes de entrar no repouso de Cristo. Depois de queimarem os corpos dos mártires, lançaram suas cinzas no Ródano. Os algozes comentavam, em tom de zombaria: "Vejamos se agora o seu Deus os ressuscita".
Em Roma temos a pequena Cecília. Jovem, de família nobre, quis consagrar-se a Cristo e fez voto de virgindade. O cutelo do carrasco precisou ser usado várias vezes antes de conseguir tirar-lhe a vida. Também muitos papas morreram mártires ao longo do século II.
Em Scili, na África, doze fiéis foram presos. O interrogatório ao qual foram submetidos ficou registrado para a História. Todos receberam a coroa do martírio.
Não se deve imaginar, no entanto, que os mártires não tinham medo das torturas e da morte. Muitos cristãos preferiram renegar a própria fé, caindo na apostasia, a morrer por Cristo.
Porém, "o sangue dos mártires é semente de cristãos" (Tertuliano). A coragem dos que preferiam o Senhor à própria vida ajudava na propagação da fé.

14. Os apologistas

"De diversas formas, pois, os Padres do Oriente e do Ocidente entraram em relação com as escolas filosóficas. Isto não significa que tenham identificado o conteúdo da sua mensagem com os sistemas a que faziam referência. A pergunta de Tertuliano: ‘Que têm em comum Atenas e Jerusalém? Ou, a Academia e a Igreja?’, é um sintoma claro da consciência crítica com que os pensadores cristãos encararam, desde as origens, o problema da relação entre a fé e a filosofia, vendo-o globalmente, tanto nos seus aspectos positivos como nas suas limitações" (Fides et Ratio, n. 41).
Durante o século II um considerável número de gentios com sólida formação intelectual ingressou na Igreja. O fato de terem aderido ao Evangelho os obrigava ao confronto com a filosofia gentílica. Para defenderem a fé dos ataques dos perseguidores, e também dos detratores, muitos escreveram obras inteiras de apologética, ficando por isto conhecidos como Apologistas.
Entre os ataques ao cristianismo promovidos por intelectuais, podemos citar o discurso do retor Frontão de Cirta, preceptor de Marco Aurélio, Luciano de Samósata e Celso (com sua obra polêmica: Alethès lógos, c. de 178). Entre as acusações contra os cristãos, as mais comuns são a de ateísmo, assassinato ritual de crianças e traição ao imperador.
O grafitto do Palatino nos mostra um asno crucificado com algumas inscrições. Um certo Alexamenos, jovem cristão, é ridicularizado pelo companheiro de estudo: "Alexamenos adora o seu Deus". Em resposta escreve ao lado do insulto a frase: "Alexamenos fiel".
Diante da cultura pagã a Igreja assumiria duas posições: uma de oposição e rejeição (com Taciano, Teófilo ou Tertuliano, por exemplo), e outra de aproveitamento, assimilação dos seus aspectos positivos (Justino e outros pensadores cristãos, principalmente do mundo grego). A influência de filósofos gregos, principalmente Platão, sobre os Padres da Igreja é marcante.
Entre os apologistas, citamos Quadrato, Aristão, Milcíades, Apolinário, Melitão, Aristides de Atenas e Justino. Também merecem destaque Taciano, Atenágoras de Atenas, Teófilo de Antioquia, Hérmias e a epístola a Diogneto.
Quadrato foi discípulo dos apóstolos. Apresentou uma apologia ao imperador Adriano, em 123/124 (ou em 129?). Aristão de Pela defendeu o cristianismo contra os ataques dos judeus redigindo o Diálogo entre Jasão e Papisco sobre Cristo. Milcíades, retor originário da Ásia Menor, escreveu várias apologias contra os gregos e os judeus. Apolinário, bispo de Hierápolis, compôs quatro apologias. Melitão, bispo de Sardes, enviou uma defesa da fé cristã ao imperador Marco Aurélio.
Aristides de Atenas, um filósofo, redigiu sua Súplica em favor da religião cristã para o imperador Adriano.
De todos os apologistas aquele que merece mais destaque, com certeza, é Justino. Martirizado pelo ano 165, era filho de uma família greco-pagã de Flavia Neapolis, antiga Siquém, na Palestina. Familiarizado com muitas correntes filosóficas, não encontrou nenhuma que lhe desse todas as respostas que procurava. Sua mente e seu coração só encontraram a resposta na fé cristã.
Conservamos de suas obras duas Apologias contra os gentios e o Diálogo com o judeu Trifão.
A teoria das sementes do Verbo que ele formulou estabeleceu uma ponte entre a filosofia antiga e o cristianismo. Em seus escritos encontram-se valiosas informações sobre o batismo e a celebração litúrgica. Justino chega a esboçar uma formulação do dogma da transubstanciação. "De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças - alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne - é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado". Também é relevante o paralelo que ele faz entre Maria e Eva, semelhante ao paralelo paulino entre Cristo e Adão.
Taciano foi discípulo de Justino. Depois do martírio do seu mestre, deixou Roma e voltou para o Oriente, sua região de origem. Acabou aderindo à seita dos encratitas, pregando a abstinência do matrimônio, do vinho e da carne. Seguindo Epifânio, substituiu o vinho pela água na eucaristia. Escreveu várias apologias.
Atenágoras de Atenas supera Justino em sua linguagem, estilo e ritmo. É mais tolerante do que Taciano no que se refere à filosofia e cultura gregas. Fez uma "Súplica em favor dos cristãos", dirigida, cerca de 177, a Marco Aurélio e Cômodo. Testemunha a fé da Igreja na Trindade antes do concílio de Nicéia: os cristãos adoram o Pai, o Filho e o Espírito Santo e veneram os anjos.
Teófilo de Antioquia, bispo desta cidade, escreveu três livros A Autólico, depois de 180. É o primeiro a empregar o termo triás para falar de Deus.
A carta a Diogneto foi redigida na segunda metade do século II, de acordo com a maioria dos estudiosos. Um certo Diogneto teria feito a um cristão três perguntas: 1) Qual a religião dos cristãos e por que eles rejeitam o judaísmo e o paganismo? 2) O que é a caridade para com o próximo? 3) Por que a religião cristã apareceu tão tarde na história do mundo?

15. Difusão do Cristianismo no 2º século

No final do século II, existem cristãos espalhados em todos os lugares do mundo romano. No Oriente (Ásia Menor, Síria, Palestina), a concentração de fiéis é maior, inclusive fora das cidades. No Ocidente, o progresso da evangelização é desigual. O Evangelho penetrou profundamente na Itália Central, no sul da Espanha, no norte da África. Na Ilíria, na Itália do Norte e na Gália a presença é menor.
Fora do Império existiam cristãos no reino de Edessa e no Império Persa.
História da Igreja Católica

16. Vida de fé e sacramentos

Quem vai a Roma atrás de atrações turísticas quase certamente vai querer conhecer as catacumbas, cemitérios subterrâneos na periferia da cidade antiga. Lá os cristãos enterravam seus mortos. Nessas galerias subterrâneas gerações de fiéis oraram pelos seus entes queridos. Nas suas paredes existem várias pinturas relembrando cenas bíblicas: Moisés batendo no rochedo, Daniel na cova dos leões, Jonas saindo das entranhas do peixe ou o Bom Pastor...
O rito de iniciação cristã, como já vimos, era o batismo, geralmente ministrado para adultos (só quando o cristianismo se tornar religião majoritária a prática do batismo de crianças será a praxe comum). Os conversos tinham um período de preparação, o catecumenato, durante o qual se preparavam para receber este sacramento.
Os que eram aprovados, recebiam o batismo nas correntezas de algum rio. Quando não houvesse rio, era utilizada uma piscina. E, na falta de uma piscina, batizava-se derramando a água sobre a fronte, como se faz hoje em dia em nossas igrejas.
Ao receber o batismo o fiel já pode se aproximar da eucaristia, a carne e o sangue de Jesus Cristo. Eucaristia é uma palavra grega que quer dizer "ação de graças". Todos os domingos os cristãos se reuniam na casa de alguém - podia ser a casa de um rico convertido - para celebrar a Santa Missa (o termo missa parece ser oriundo do latim - "ite missa est", "ide, é o fim", dizia o diácono, despedindo os fiéis - e é usado a partir do século IV). Em tempos de perseguição ou no aniversário de morte de um mártir, os fiéis se dirigiam às catacumbas, onde era mais seguro. Faziam-se leituras do Antigo Testamento ou das cartas dos apóstolos. Em seguida o presidente exortava a assembléia, com base na Palavra proclamada. Após esta "homilia", os fiéis faziam suas preces e ofertavam no altar o pão, o vinho e a água. O presidente então dizia preces e ações de graças, repetia as palavras de Jesus na última ceia (consagrando o pão e o vinho), e iniciava a distribuição da Eucaristia. Os diáconos levavam parte do alimento consagrado para os ausentes. Os fiéis mais generosos entregavam suas doações ao presidente, que as dividia entre os orfãos, as viúvas, os doentes, os estrangeiros e encarcerados.
Pouco a pouco começa a se organizar um ciclo litúrgico. No segundo século a festa da Páscoa era comemorada anualmente.
Jesus era o centro da fé. Orava-se várias vezes ao dia, erguendo-se as mãos e voltando-se para o Oriente, ajoelhando-se, prostrando-se. Orava-se antes das refeições, ao levantar, na hora de dormir, quando se fazia alguma ação especial, enquanto se trabalhava ou antes de sair para visitar alguém. Havia também o costume, herdado dos judeus, de rezar na hora terceira, na hora sexta e na nona. Rezava-se o Pai Nosso, salmos extraídos das Escrituras, hinos, como o Magnificat e o Benedictus, além de orações espontâneas.
À medida que o cristianismo crescia em número, aumentavam os casos de fiéis que cediam às tentações da cobiça, da luxúria, da apostasia...
A penitência era algo levado muito a sério. Quem pecasse gravemente depois do batismo podia não mais voltar para a comunhão da Igreja. No século II duas correntes se enfrentam: uma mais rigorista e outra mais tolerante. A primeira recusava o perdão em todos os casos, deixando os fiéis em pecado grave entregues à própria sorte. O poder de perdoar, concedido a Pedro e aos demais apóstolos, era usado com muito critério naqueles tempos.
No fim do século II, o cristão em pecado grave era obrigado a oferecer algum tipo de reparação para a Igreja. Durante algum tempo era excluído da liturgia eucarística e precisava fazer jejuns, dar esmolas, submeter-se a severas mortificações até o dia em que o bispo lhe concederia a absolvição.
O casamento era vivido pelos cristãos com um sentido inteiramente novo. Para eles a relação entre marido e mulher devia refletir a relação entre Cristo e a Igreja. O casamento era um sacramento no qual o mistério do amor humano era assumido e elevado pela graça. Apesar deste caráter sobrenatural, no entanto, não havia nenhuma cerimônia litúrgica especial para o casamento. "Os cristãos se casam como todo mundo", diz a epístola a Diogneto. O aborto e o abandono de crianças, práticas comuns entre os pagãos, eram totalmente condenados. O matrimônio, para os seguidores de Jesus, era indissolúvel.
Da maior parte dos papas deste século não restou senão o nome (Evaristo, Alexandre, Sixto, Telésforo, Higino, Pio, Aniceto, Sóter, Eleutério...). Mesmo assim, o primado da Igreja de Roma e do seu bispo, o Sucessor de Pedro, era amplamente reconhecido e aos poucos ia ganhando maior destaque.
Embora houvesse várias igrejas espalhadas pelo orbe, todos os fiéis tinham consciência de pertencerem à grande Igreja, a Igreja de Jesus Cristo.

17. As heresias

O apóstolo Paulo já tinha preocupações com a integridade da fé das comunidades cristãs. Deixou advertências contra o risco das práticas judaizantes, gnósticas e contra alguns que negavam a ressurreição dos mortos.
O Apocalipse de João denuncia duas seitas gnósticas: a dos discípulos de Balaão e a dos nicolaítas. Estes últimos amaldiçoavam o Deus do Antigo Testamento e levavam uma vida libertina.
O que é gnose? A gnose é uma espécie de conhecimento superior, adquirido de modo direto, intuitivo, das respostas de todos os problemas que angustiam a alma humana. Todos os grupelhos gnósticos tinham alguns princípios em comum: a maldade da matéria e da carne, a infelicidade do homem, prisioneiro do seu próprio corpo, a existência de uma alma inferior e manchada pelo pecado, e de uma alma superior, celestial, em suma: um dualismo da pior espécie.
Os gnosticismo cristão (sim, porque havia também um gnosticismo judeu - Simão o Mago à frente - e pagão) possuía uma doutrina bastante complexa. Acreditava na existência de eões que emanavam de Deus e que faziam o papel de mediadores entre o mundo e o Criador. Estes eões eram organizados em classes, variando dos menos puros aos mais puros. Todas as classes de eões constituíam o pleroma.
No meio da seqüência de eões, um deles tentou se igualar a Deus e caiu em desgraça. Colocado para fora do mundo espiritual, teve de viver com seus descendentes em um universo intermediário. Revoltado, criou o mundo físico, essencialmente mal e contaminado pelo pecado. O éon prevaricador era conhecido como Demiurgo e identificado com o Deus do Antigo Testamento.
O homem, emanação do éon decaído, contém em si uma centelha da divindade que aspira ser libertada da materialidade. Mal é estar vivo. Os que querem viver estão condenados. São chamados de "hílicos" ou "materiais". Os que buscam a gnose, os "psíquicos", têm a possibilidade de alcançar a paz interior. Finalmente, os que renunciam à vida, os "espirituais", são os únicos capazes de obter a salvação.
Jesus era um éon escondido em um invólucro de carne humana. A razão de sua vinda era ensinar aos homens o verdadeiro conhecimento capaz de libertar, a gnose.
Existiu um gnosticismo sírio-cristão, encabeçado por Saturnilo, e depois por Cérdon. Também houve o gnosticismo de Basílides, hostil ao deus dos judeus. Principalmente, em Alexandria e em seguida em Roma, existiu o gnosticismo de Valentino, que tentava harmonizar o Evangelho com especulações estranhas. Havia ainda os cainitas, que louvavam Caim, os ofitas, que adoravam a serpente do Gênesis, e os seguidores de Judas Iscariotes, que inventaram um novo evangelho. O número de seitas era enorme.
Temos Marcião, gnóstico "híbrido". Entrou em conflito com as autoridades da Igreja de Roma. Saiu e foi excomungado em 144. Tornou-se o fundador de uma contra-igreja, na qual era dogma de fé a existência de dois deuses, um bom e um mal. O primeiro, o Demiurgo, era o Deus do Antigo Testamento: justiceiro, vingativo, impiedoso. O segundo, o Deus verdadeiro, era o Deus pregado por Jesus Cristo: amor, perdão, bondade.
Doutrinas tão "amalucadas", às vezes ridículas e às vezes terríveis, atraíam muitas almas inquietas.
Marcião organizou sua igreja e estabeleceu seu próprio cânone de livros inspirados, rejeitando tudo o que poderia contradizê-lo nas Escrituras. Os marcionitas cresceram tanto que pareciam ter invadido todo o mundo cristão. Mesmo com sua morte, em 160, suas comunidades continuaram a existir. Seus sucessores serão irrelevantes, excetuando Apeles, que diminuirá um pouco o rigor das teses do fundador. Parte dos marcionitas passará para o maniqueísmo no século III.
Há ainda o montanismo. No final do século II, Montano, da Frígia, acreditava ser o único depositário do dom da profecia. Ajudado por duas visionárias, Maximila e Priscila, que tinham deixado os maridos para o seguirem, começou um movimento de evangelização frenético pelas províncias do Oriente Próximo. O fim do mundo estava próximo, o Espírito Santo iria aparecer gloriosamente! Montano era o arauto da Era do Espírito.
Tal loucura se espalhou rápido pelo Oriente, tradicionalmente místico. A austeridade moral exigida por Montano não espantava em um lugar que já tinha visto gauleses se castrarem na iniciação dos mistérios frígios. O martírio era obrigatório no montanismo.
A partir de 170, mais ou menos, este movimento explosivo se espalhou vigorosamente pela Ásia e depois pelo Ocidente. Comunidades montanistas floresciam em muitos lugares.
A controvérsia quartodecimana, sobre a data da celebração da Páscoa, gerou vários atritos dentro da Igreja. O papa Vítor (aprox. 189-198) anunciou a ruptura da Igreja romana com as comunidades que celebravam a Páscoa no dia 14 de Nisã. Muitos bispos não aceitaram o procedimento de Vítor, e até Santo Ireneu pediu mais tolerância ao papa. Com o tempo, porém, a posição de Roma prevaleceu. (para historiadores protestantes racionalistas como Neander, Langen e Harnack, a atitude de Vítor na questão quartodecimana indica que o bispo de Roma já possuía, no século II, jurisdição sobre todas as igrejas).
O monarquianismo, inventado por Teódoto, ensinava um só Deus e uma só pessoa divina. Noeto, da cidade de Esmirna, ensinava que o Pai padeceu na cruz (patripassianismo).
Por fim, o milenarismo, que acreditava em um reinado de mil anos dos fiéis com Cristo sobre a terra, no qual se usufruiriam de todas as delícias imagináveis. Pápias era um pouco milenarista. Como veremos a seguir, levou algum tempo para esta doutrina ser condenada.

18. Contra as heresias

O apóstolo Paulo já tinha preocupações com a integridade da fé das comunidades cristãs. Deixou advertências contra o risco das práticas judaizantes, gnósticas e contra alguns que negavam a ressurreição dos mortos.
O Apocalipse de João denuncia duas seitas gnósticas: a dos discípulos de Balaão e a dos nicolaítas. Estes últimos amaldiçoavam o Deus do Antigo Testamento e levavam uma vida libertina.

O que é gnose? A gnose é uma espécie de conhecimento superior, adquirido de modo direto, intuitivo, das respostas de todos os problemas que angustiam a alma humana. Todos os grupelhos gnósticos tinham alguns princípios em comum: a maldade da matéria e da carne, a infelicidade do homem, prisioneiro do seu próprio corpo, a existência de uma alma inferior e manchada pelo pecado, e de uma alma superior, celestial, em suma: um dualismo da pior espécie.
Os gnosticismo cristão (sim, porque havia também um gnosticismo judeu - Simão o Mago à frente - e pagão) possuía uma doutrina bastante complexa. Acreditava na existência de eões que emanavam de Deus e que faziam o papel de mediadores entre o mundo e o Criador. Estes eões eram organizados em classes, variando dos menos puros aos mais puros. Todas as classes de eões constituíam o pleroma.

No meio da seqüência de eões, um deles tentou se igualar a Deus e caiu em desgraça. Colocado para fora do mundo espiritual, teve de viver com seus descendentes em um universo intermediário. Revoltado, criou o mundo físico, essencialmente mal e contaminado pelo pecado. O éon prevaricador era conhecido como Demiurgo e identificado com o Deus do Antigo Testamento.

O homem, emanação do éon decaído, contém em si uma centelha da divindade que aspira ser libertada da materialidade. Mal é estar vivo. Os que querem viver estão condenados. São chamados de "hílicos" ou "materiais". Os que buscam a gnose, os "psíquicos", têm a possibilidade de alcançar a paz interior. Finalmente, os que renunciam à vida, os "espirituais", são os únicos capazes de obter a salvação.
Jesus era um éon escondido em um invólucro de carne humana. A razão de sua vinda era ensinar aos homens o verdadeiro conhecimento capaz de libertar, a gnose.
Existiu um gnosticismo sírio-cristão, encabeçado por Saturnilo, e depois por Cérdon. Também houve o gnosticismo de Basílides, hostil ao deus dos judeus. Principalmente, em Alexandria e em seguida em Roma, existiu o gnosticismo de Valentino, que tentava harmonizar o Evangelho com especulações estranhas. Havia ainda os cainitas, que louvavam Caim, os ofitas, que adoravam a serpente do Gênesis, e os seguidores de Judas Iscariotes, que inventaram um novo evangelho. O número de seitas era enorme.
Temos Marcião, gnóstico "híbrido". Entrou em conflito com as autoridades da Igreja de Roma. Saiu e foi excomungado em 144. Tornou-se o fundador de uma contra-igreja, na qual era dogma de fé a existência de dois deuses, um bom e um mal. O primeiro, o Demiurgo, era o Deus do Antigo Testamento: justiceiro, vingativo, impiedoso. O segundo, o Deus verdadeiro, era o Deus pregado por Jesus Cristo: amor, perdão, bondade.
Doutrinas tão "amalucadas", às vezes ridículas e às vezes terríveis, atraíam muitas almas inquietas.
Marcião organizou sua igreja e estabeleceu seu próprio cânone de livros inspirados, rejeitando tudo o que poderia contradizê-lo nas Escrituras. Os marcionitas cresceram tanto que pareciam ter invadido todo o mundo cristão. Mesmo com sua morte, em 160, suas comunidades continuaram a existir. Seus sucessores serão irrelevantes, excetuando Apeles, que diminuirá um pouco o rigor das teses do fundador. Parte dos marcionitas passará para o maniqueísmo no século III.
Há ainda o montanismo. No final do século II, Montano, da Frígia, acreditava ser o único depositário do dom da profecia. Ajudado por duas visionárias, Maximila e Priscila, que tinham deixado os maridos para o seguirem, começou um movimento de evangelização frenético pelas províncias do Oriente Próximo. O fim do mundo estava próximo, o Espírito Santo iria aparecer gloriosamente! Montano era o arauto da Era do Espírito.
Tal loucura se espalhou rápido pelo Oriente, tradicionalmente místico. A austeridade moral exigida por Montano não espantava em um lugar que já tinha visto gauleses se castrarem na iniciação dos mistérios frígios. O martírio era obrigatório no montanismo.
A partir de 170, mais ou menos, este movimento explosivo se espalhou vigorosamente pela Ásia e depois pelo Ocidente. Comunidades montanistas floresciam em muitos lugares.
A controvérsia quartodecimana, sobre a data da celebração da Páscoa, gerou vários atritos dentro da Igreja. O papa Vítor (aprox. 189-198) anunciou a ruptura da Igreja romana com as comunidades que celebravam a Páscoa no dia 14 de Nisã. Muitos bispos não aceitaram o procedimento de Vítor, e até Santo Ireneu pediu mais tolerância ao papa. Com o tempo, porém, a posição de Roma prevaleceu. (para historiadores protestantes racionalistas como Neander, Langen e Harnack, a atitude de Vítor na questão quartodecimana indica que o bispo de Roma já possuía, no século II, jurisdição sobre todas as igrejas).
O monarquianismo, inventado por Teódoto, ensinava um só Deus e uma só pessoa divina. Noeto, da cidade de Esmirna, ensinava que o Pai padeceu na cruz (patripassianismo).
Por fim, o milenarismo, que acreditava em um reinado de mil anos dos fiéis com Cristo sobre a terra, no qual se usufruiriam de todas as delícias imagináveis. Pápias era um pouco milenarista. Como veremos a seguir, levou algum tempo para esta doutrina ser condenada.

19. Santo Ireneu - o adversário da Gnose

Ireneu é considerado o maior teólogo do século II. Nascido na Ásia Menor (entre 140 e 160), chegou a conhecer São Policarpo de Esmirna, discípulo do apóstolo São João. Era presbítero na cidade de Lyon durante a perseguição de Marco Aurélio. Após o martírio de Potino, foi eleito bispo daquela cidade. Não temos nada de exato sobre sua morte. Segundo uma tradição antiga, ele teria sido martirizado por hereges depois do ano 200, com aproximadamente 70 anos de idade. Outros, porém, afirmam que ele morreu em um massacre de cristãos em Lyon, no reinado de Sétimo Severo (202?). A Igreja o venera como mártir, no dia 28 de junho.
A sua maior obra, "Adversus haereses", "Contra as heresias", foi escrita entre os anos 180 e 185. Trata-se de um ataque demolidor ao sistema gnóstico. Depois de expor e refutar detalhadamente as doutrinas da gnose (que conhecia muito bem), Ireneu revela a verdadeira doutrina: o cristianismo.
Testemunha de grande autoridade, Ireneu fala, entre outras coisas:
Do valor da Tradição como regra de fé.
Do primado da Igreja de Roma: "Com esta Igreja, por causa de sua autoridade principal, faz-se mister concordarem as demais Igrejas, a saber, os fiéis do universo, na qual se manteve incólume sempre, esses fiéis de toda a parte, a tradição apostólica"

"...onde está a Igreja está o Espírito de Deus, e onde está o Espírito de Deus está a Igreja e toda graça".
Da estada e do martírio de São Pedro e de São Paulo em Roma.
Que Cristo é a encarnação de Deus. Nele Deus se faz homem para divinizar a humanidade.
Que A Virgem Maria, por sua obediência, consertou a desobediência de Eva. Maria é a "advogada de Eva" e "causa de salvação" para o gênero humano.
Da doutrina do pecado original.
Do costume de se batizar também as crianças;
Que a eucaristia é a carne e o sangue de Jesus. "Compõe-se de dois elementos, um terreno e outro celeste". É o sacrifício novo, anunciado por Malaquias (Ml 1,10s), celebrado pela Igreja no mundo inteiro.
Acompanhando muitos de sua época, Ireneu era milenarista. Como, porém, o milenarismo não tinha sido condenado pelo Magistério, não faz o menor sentido dizer que Ireneu é culpado de heresia. Não se pode falar de culpa sem conhecimento de causa.

20. Símbolos, atas de martírio, epitáfios, literatura...

No Novo Testamento existem numerosas profissões de fé (cfr. At 8,37; 1Cor 12,13; Rm 10,9; Fl 2,11; 1Cor 15,3s; 1Cor 8,6; 2Cor 13,14; 1Cor 12,4) resumindo pontos essenciais do cristianismo. Os primeiros símbolos datados da metade do século II se inspiram no mandamento de Jesus acerca do batismo em nome da Santíssima Trindade (Mt 28,19). Antes do batismo os catecúmenos eram interrogados pelo ministro, fazendo sua profissão de fé no Pai, no Filho e no Espírito Santo.
Inúmeras homilias e atas de martírios são conhecidas deste período. Destaques: a Homilia de Melitão sobre a Páscoa, o Martírio de Policarpo, a Carta das Igrejas de Viena e Lyon às igrejas da Ásia e da Frígia, as Atas dos mártires de Scili.
O epitáfio de Abércio de Hierápolis, do final do século II, é o monumento de pedra mais antigo que se refere à eucaristia. Abércio tinha sido bispo de Hierápolis, na Frígia. Aos 72 anos de idade mandou fazer a inscrição, na qual fala, entre outras coisas, do seu envio a Roma pelo Pastor, encontrando por toda parte irmãos na fé, dos quais recebeu o "peixe" (ICHTHYS, em grego, abreviação de "Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador" - a iconografia cristã aproveitará esta simbologia), vinho misturado e pão. Atesta o costume cristão de se orar pelos mortos.
O epitáfio de Pectório, para alguns do início do séc. II, para outros do séc. III ou IV, fala do batismo, "fonte imortal das águas divinas", da eucaristia, "alimento melífluo do Redentor dos santos", "peixe que sustentas nas mãos". Pectório pede a seus pais falecidos que se recordem dele "na paz do peixe".
A quantidade de evangelhos e epístolas gnósticas que circulavam no segundo século é enorme: o Evangelho de Tomé, o Apocryphon de João, a carta de Tiago, o Evangelho de Maria, a Sabedoria de Jesus Cristo, os dois livros de Jeú, o Evangelho de Matias...
Também o número de apócrifos não-gnósticos (livros não-canônicos) é elevado: O Testamento dos doze patriarcas, o Martírio e a ascensão de Isaías, os Oráculos sibilinos, o Evangelho dos Nazoreus, dos ebionitas, dos hebreus, dos egípcios, de Pedro, a epístola dos Apóstolos, o Proto-evangelho de Tiago, a Narração da infância de Jesus, por Tomé, o Kerygma de Pedro, os Atos de Pedro, os Atos de São Paulo, os Atos de André, o Apocalipse de Pedro...
No meio de tantos livros, cada igreja possuía um esboço do que seria o cânone definitivo do Novo Testamento.

21. Do grego para o latim - Minúcio Felix e o gênio de Tertuliano

Nos primeiros tempos, o grego havia sido a língua oficial da Igreja. Tanto o Novo Testamento como os escritos dos Padres Apostólicos e da maior parte dos Apologistas foram feitos em grego. Levaria pouco tempo, no entanto, para que o latim começasse a se firmar no Ocidente.
Minúcio Félix, advogado em Roma, redigiu um diálogo apologético em latim, o Otávio (por volta de 197). A única apologia escrita nesta língua no tempo das perseguições.

Quintus Septimius Florens Tertullianus, nascido em Cartago, por volta do ano 160, filho de um centurião, pagão com excelente formação intelectual, possuidor de grandes conhecimentos jurídicos e de retórica. Conhecia bem o grego. Depois de exercer a jurisprudência em Roma, retornou para sua cidade de origem pelo ano 195, como cristão. Por volta do ano 207 rompe com a Igreja e adere ao montanismo. Sua morte ocorreu, provavelmente, depois do ano 220.
Exímio no uso do latim, Tertuliano foi o primeiro a usar o termo Trinitas para designar a Trindade. Expôs também a tese de que o Pai e o Filho eram da mesma substância. Antecipou-se em um século ao Símbolo de Nicéia.
Suas principais obras foram: Ad nationes, o Apologeticum (aos governadores das províncias do Império - uma apologia que considera as acusações políticas contra os cristãos, como o crime de lesa-majestade e a negação dos deuses imperiais; passa a apologética do plano filosófico para o jurídico), Adversus Iudaeos, De praescriptione haereticorum, Adversus Marcionem (contra a gnose de Marcião), Adversus Valentinianos (contra a gnose de Valentino), Scorpiace, De carne Christi (contra o docetismo dos gnósticos), Adversus Praxean (exposição mais clara antes de Nicéia sobre a doutrina da Trindade, contra o patripassiano Práxeas), De baptismo, De anima (obra antignóstica), Ad martyres, De paenitentia, Ad uxorum... Do período montanista temos alguns escritos de caráter ascético, como o De exhortatione castitatis, em que exorta um amigo viúvo a não contrair novas núpcias (para ele uma forma de devassidão), De corona (onde condena o exercício das funções militares por cristãos e refere de passagem o costume de se fazer o sinal da cruz), De pudicitia (onde, contrariando o que dizia enquanto católico, nega à Igreja o poder de perdoar pecados).
Tertuliano fala das duas naturezas na única pessoa de Jesus Cristo. Ensina que o primado e o poder das chaves foram dados à Pedro (fala da morte de Pedro e Paulo em Roma). Enquanto era católico, ensinava que a Igreja tinha poder de perdoar os pecados, embora apenas uma única vez. Descreveu com detalhes a confissão pública. Como na Didaqué, para ele a Missa é o cumprimento da profecia de Malaquias (Ml 1,10s), sacrifício verdadeiro oferecido a Deus. O Corpo e o Sangue de Cristo são distribuídos na comunhão. Também admite um estado de purificação póstumo, no qual todos, menos os mártires, permanecem até o dia do Juízo. As orações dos vivos, porém, podem confortar os que se encontram no Hades. Afirmava o milenarismo.

Contra os hereges, Tertuliano ensina: apenas a Igreja é quem pode possuir legitimamente a fé. A ela cabe a reta interpretação das Escrituras, à luz da Tradição. A doutrina conservada nas Igrejas apostólicas determina as verdades que devem ser cridas por todos os fiéis. Não adianta discutir com os hereges usando as Escrituras porque eles distorcem e mutilam a Palavra de Deus.
Sua atitude diante da filosofia pagã é essencialmente negativa. A especulação filosófica só é útil enquanto concorda com o Evangelho. Acredita na possibilidade de uma demonstração racional da existência de Deus e da imortalidade da alma.
Ao contrário da grande corrente da Tradição cristã (como a encontramos, por exemplo, no Proto-evangelho de Tiago), Tertuliano negava a virgindade perpétua de Maria.

Comodiano, Vitorino de Petau, Arnóbio de Sica e Lactâncio são outros grandes representantes da literatura cristã em latim no século III e no início do século IV.

22. Crise do Império


Ao longo do século III, o Império será na maior parte do tempo uma ditadura militar. A instabilidade política é grande. Os exércitos, formados não mais por romanos mas principalmente por gente vinda de províncias conquistadas há pouco tempo, põem e depõem os imperadores pelos mais variados motivos: dinheiro, inveja, medo, aversão pela disciplina...

Uma crise econômica devasta o Império, guerras civis explodem aqui e ali (onde está a Pax Romana?), as fronteiras são áreas de combate contínuo (primeiras invasões bárbaras), as estradas são quase abandonadas, há escassez de comida, os salteadores formam quadrilhas, o mar fica cheio de piratas, a inflação devora a moeda (medidas desesperadas, como o tabelamento de preços, são tomadas pelo governo), a corrupção é generalizada, a luxúria e a devassidão corroem a família, até mesmo a arte e a literatura perdem o brilho (temos alguns nomes, desconhecidos para a maioria dos nossos contemporâneos: Terêncio Escauro, Suplício Apolinário, Ácron, Censorino, Mário Máximo, Plócio Sacerdote; juristas como Papiniano, Ulpiano e Paulo se destacam; em grego: Díon Cássio, Diógenes Laércio e o maior de todos, Plotino, chefe do neoplatonismo; seu discípulo, Porfírio, escreveu um tratado Contra os cristãos). Decadência: esta é a palavra que descreve melhor o Imperium nesses tempos.

A astrologia caldéia e o mitraísmo se estabelecem. "Se, no seu nascimento, o cristianismo tivesse sido detido no seu progresso por alguma doença mortal, o mundo teria se convertido aos mistérios de Mitra", disse Renan. E até certo ponto é verdade.

O neoplatonismo é um misto de filosofia e religião que vai se opor frontalmente à fé cristã. Juntamente com o restante do paganismo e todos os sincretismos que possam ser imaginados, estas doutrinas infectavam o Imperium, e só encontravam um obstáculo consistente e sólido: a Igreja.

23. Expansão do Cristianismo no século III - "a terceira raça"


Enquanto o Império começava sua lenta agonia a Igreja crescia cada vez mais. Havia cristãos na Britânia e na Espanha, no Egito e no Danúbio, na Ásia Menor, nas costas gregas, na Trácia, na Macedônia. Há também alguns em Aelia Capitolina, construída sobre as ruínas de Jerusalém. As cidades costeiras da Síria possuem grande quantidade de cristãos.

Em torno do ano 200, Abgar IX, rei de Osreone, converte-se ao cristianismo. Na Gália, Santo Ireneu havia dado início a uma grande obra de evangelização. Fora das fronteiras do Império, na Mesopotâmia, na Pérsia, na Etiópia e até na Índia chegam pregadores do Evangelho. Povos bárbaros, como germanos e godos, receberam a semente da Boa-Nova. O desabrochar destas sementes, no entanto, só acontecerá a longo prazo.

A maioria dos cristãos continua a ser de classe baixa, o que é motivo de zombaria para os detratores da nova fé. Mas cada vez mais gente de nível econômico e social "respeitável" começa a entrar em suas fileiras.

Em Alexandria, fundada por Panteno, filósofo estóico convertido ao cristianismo, ainda no segundo século, uma escola teológica e catequética começava a se desenvolver. Clemente, Orígenes, Atanásio e Cirilo serão seus representantes mais significativos.

Opondo-se às tendências alegóricas e especulativo-filosóficas da escola de Alexandria, surgirá, no séc. III, a escola de Antioquia, intensamente dedicada à exegese bíblica. Seu fundador, acredita-se, é o presbítero Luciano de Samósata (+ c. de 312).

A hinologia dos primeiros séculos não deixou muitos vestígios. Temos o canto vespertino Phos hilarón e o matutino Dócsa en upsístois theo, nosso Gloria in excelsis Deo. Alguns papiros que foram descobertos traziam cânticos cristãos, um deles com notas musicais. As Odes de Salomão são uma coleção de cantos gnósticos do século II.

Com o crescimento numérico, começou a haver um certo relaxamento entre os cristãos. À medida que recrudescia a perseguição, surgiam mais e mais casos de apostasia.

Tertuliano afirma no Apologeticum que existem cristãos exercendo funções militares. Mais tarde, porém, quando se tornar montanista, ensinará que um seguidor de Jesus não pode servir no exército. Hipólito, em sua Tradição Apostólica, apresenta uma lista de profissões proibidas para os cristãos: soldado, sacerdote de ídolos e magistrado. O militar que deseja se converter não pode mais matar nem fazer juramentos.

No momento em que o cristianismo se tornar a religião oficial do Império, essas restrições vão desaparecer. Haverá, no entanto, um rito de purificação para o soldado que tiver derramado sangue.

Começam a ser construídas as primeiras igrejas a partir da metade do século III. A casa-igreja de Dura Europos, às margens do Eufrates, é o mais antigo edifício de culto cristão que se conhece (c. de 250). Em suas paredes existem vários afrescos com temas bíblicos. Nas catacumbas de Priscila, em Roma, temos um afresco com a Virgem e o menino Jesus nos braços (começo do séc. III). A iconografia cristã se desenvolve rapidamente.

Os sínodos, ou concílios locais, que já se realizavam no século anterior, se consolidam e se tornam um meio eficaz para garantir a unidade da Igreja.

Diante dos pagãos e dos judeus, os cristãos formavam o que Santo Agostinho chamava de "tertium genus", a "terceira raça".

24. O confronto


Para o Império, o cristianismo já não era uma seita de miseráveis que podiam ser jogados para as feras do circo. Era uma força real, que não podia ser ignorada.

Há mais de quinze anos que a Igreja vivia um período de paz. O último Antonino, Cômodo, tinha sido bastante indulgente com os seguidores de Jesus. Chegara a anistiar os cristãos condenados a trabalhos forçados. No início do reinado de Sétimo Severo tudo continuava tranqüilo. Certamente que aconteciam, uma vez ou outra, explosões de ódio contra a Igreja, mas não existia uma perseguição organizada, sistemática. Severo era clemente e se sentia propenso à respeitar as crenças orientais.

De uma hora para a outra, porém, as coisas mudaram. Talvez o imperador tenha detectado nos cristãos um perigo iminente, que punha em risco o futuro de seus domínios. Talvez tenha sido influenciado por alguém do seu círculo de amigos mais próximos que detestava os cristãos. O certo é que a tolerância rapidamente foi substituída pela repressão.

Entre os anos 200 e 202 sua deliberação foi promulgada: proibição total de conversões ao judaísmo e ao cristianismo, sob pena grave. Mas o cristianismo foi quem sofreu mais. Com a ordem do imperador, os funcionários do Estado não precisavam mais esperar denúncias, como determinado pelo Rescrito de Trajano. Um novo e terrível período de perseguições começava. Perseguições metódicas e direcionadas. Violência, abuso da autoridade policial, circos lotados com cristãos sendo lançados às feras. Uma nova era dos mártires.

Caracala (211-217, estendeu a cidadania romana para todos os habitantes do Império), Heliogábalo (218-222) e Severo Alexandre (222-235) reinaram sem incomodar muito. Alguns quiseram insinuar que Severo Alexandre era admirador de Jesus, bem como o imperador Filipe, o Árabe (244-249). Estas insinuações são provavelmente falsas. Mas é certo que já existiam funcionários imperiais cristãos.

Com Décio (249-251) a perseguição retorna. No ano 250 todos os moradores do Império que possuem cidadania romana são obrigados a manifestar sua adesão à religião imperial. Certificados seriam entregues aos que cumprissem a determinação, enquanto os contraventores correriam o risco de perder a própria vida. Há muitos mártires em Roma, na Ásia, no Egito e na África.

Valeriano (253-260), com dois editos, torna a legislação ainda mais rígida. Procurava perseguir especialmente os líderes das comunidades cristãs: bispos, padres, diáconos. Na África a Igreja sofre severas baixas. Com Galiano (260-268) há mais um período de paz. Aureliano (268-275) não dispõe de tempo para implantar no Império o seu sincretismo solar.

Após dez anos de anarquia, Diocleciano (284-305) toma o poder. Com seu gênio consegue recuperar durante algum tempo o brilho dos tempos gloriosos do Imperium. Suas reformas administrativas e religiosas foram uma das últimas tentativas de salvar Roma. Foi ele quem organizou e executou a mais terrível das perseguições contra a Igreja, principalmente no Oriente.

Em 286 colocou ao seu lado Maximiano, e dividiu com ele o império: Diocleciano com o Oriente e Maximiano com o Ocidente (diarquia). Em 293 foram instituídos mais dois imperadores, de categoria inferior, governando em diferentes regiões (tetrarquia). Diocleciano e Maximiano possuíam o título de Augustus, enquanto os outros dois (Galério e Constâncio Cloro) eram denominados de Césares.

Os Césares eram os herdeiros legítimos dos Augustos. Depois da criação da tetrarquia, o Império passa a ter quatro capitais: Tréveris, Milão, Sírmio e Nicomédia.

25. Combater o bom combate


A lista de mártires que poderíamos citar desde Sétimo Severo até Diocleciano é enorme. Vamos apenas enumerar alguns deles aqui.

Víbia Perpétua, cristã na África, de classe abastada, foi martirizada juntamente com Santa Felicidade no dia 7 de março do ano 203. Humilhadas e ridicularizadas, passaram pelo fio da espada do carrasco. Outros companheiros foram mortos pelas feras na arena.

Potamina, uma jovem cristã, foi lançada com a mãe em uma caldeira cheia de betume inflamado.

Sob Décio: Policrônio, mártir por volta de 250. Santa Águeda, na Sicília, martirizada (aprox. 251). Dionísia, Pedro, André e Paulo, martirizados na Turquia. Nemésio, em Alexandria. Piônio, na Ásia Menor. Frutuoso, na Espanha. O papa Fabiano, em Roma.

Sob Valeriano: São Lúcio, papa, martirizado, por volta de 254. São Sisto II, papa, e alguns companheiros, cerca de 258. São Lourenço (+258), diácono da Igreja romana. Quando foi interrogado sobre o tesouro da Igreja, reuniu todos os cegos, coxos, aleijados, doentes, velhos e crianças que pôde encontrar. Assaram-no vivo em uma grelha. São Marino sofreu o martírio por decapitação em torno do ano 260. Estevão I (papa) e São Tarcísio também foram martirizados no reinado de Valeriano.

Cipriano, o grande bispo de Cartago, foi decapitado em 258.

São Mário, Santa Marta, Santo Audifax, Santo Ábaco. Presos quando enterravam os mártires em Roma. Condenados à morte, sob Cláudio II (268-270). São Valentim, sacerdote em Roma, decapitado por volta do ano 270.

Sob Diocleciano: São Sebastião, capitão do exército, por volta de 284. São Vítor, decapitado (303). Vicente, Sabina e Cristeta, na Espanha, por volta do ano 303. São Sérgio, martirizado em Cesaréia da Capadócia. Santas Ágape, Quilônia e Irene, martirizadas por volta do ano 304. Marcelino e Pedro, em Roma, por volta de 304. Afra, na Baviera. Félix e Adauto, por volta do ano 304. Januário e companheiros, por volta de 305. Cosme e Damião, martirizados. Crispim e Crispiniano, na Gália. Severo, Severiano, Carpóforo e Vitorino, em Roma.

Mais nomes: Afianos e Edésios, no Líbano, Crisógono, em Aquiléia, São Brás, bispo da Armênia, Santa Margarida de Antioquia, Santa Catarina, São Maurício, a legião de Tebas, Santa Inês e Santa Luzia, Santa Bárbara.

Ao lado dos mártires, havia muitos cristãos que caíam na apostasia ou simplesmente fugiam da perseguição.

26. Cisma em Roma


Hipólito nasceu antes de 170. Foi presbítero em Roma no pontificado de Vítor (c. de 189-198). Teve conflitos com o papa Zeferino e rompeu abertamente com seu sucessor, Calisto (217-222), acusando-o de sabelianismo (doutrina que ensinava serem o Filho e o Espírito Santo apenas "modalidades" do Pai, propagada por Sabélio) e de ser condescendente demais com os pecadores. Fez-se bispo de uma pequena comunidade cismática em Roma. Foi exilado juntamente com o papa Ponciano para a Sardenha em 235, onde morreu.

Hipólito não aceitava a reconciliação dos hereges e apóstatas (lapsi). Foi o primeiro antipapa da História da Igreja.

Escritos importantes de Hipólito: Refutação de todas as heresias (Philosophumena), Crônica, O Anticristo, Comentário de Daniel (onde diz que Jesus nasceu no dia 25 de dezembro do 42o. ano do reinado de Augusto e morreu no dia 25 de março do 18o. ano do reinado de Tibério), Ypér tou katà Ioannen evaggelíou kaì apokalúpseos (defende que João é o autor do quarto evangelho e do Apocalipse, contra os alogianos, que negavam a doutrina do Logos), Syntagma, A Tradição Apostólica.

Hipólito testemunha a doutrina da Igreja sobre as Escrituras, fala da eucaristia como sacrifício, seguindo a Didaqué na aplicação da profecia de Malaquias (Ml 1,10s). Como Justino, Atenágoras, Teófilo e Tertuliano, é subordinacionista (ou seja, crê que o Filho tornou-se uma pessoa divina subordinada ao Pai, Logos proferido "posteriormente" para ajudá-lo na criação e no governo do mundo).

A Tradição Apostólica é uma preciosa fonte de informações sobre a liturgia cristã em Roma, no começo do séc. II (ver a seção XXIX). Entre outras coisas, fala da existência de um jejum pascal de dois dias, ensina que a eucaristia deve ser tratada com muito cuidado e reverência, "pois ela é o Corpo de Cristo que deve ser comido pelos fiéis e não pode ser negligenciado" e exorta os fiéis a fazerem o sinal da cruz quando sobrevier a tentação "pois este é o sinal da Paixão reconhecidamente provado contra o demônio, desde que feito com fé e não para vos exibir diante dos homens..."

Hipólito queria uma igreja formada apenas por pessoas "puras" e "santas".

Depois dele temos Novaciano. Por volta de 250, Novaciano era um presbítero de prestígio em Roma, com boa formação retórica. Ficou à frente de um partido rigorista e se fez bispo da Cidade Eterna, opondo-se ao papa Cornélio. Pereceu durante a perseguição de Valeriano, provavelmente, enquanto o papa Cornélio foi exilado.

27. Clemente de Alexandria e Orígenes

Tito Flávio Clemente é possivelmente originário de Atenas, nascido por volta de 150. Depois de se converter, viajou pela Itália, Síria, Palestina e se estabeleceu em Alexandria, tornando-se aluno de Panteno. Sucedeu o mestre como professor depois do ano 200. Durante a perseguição de Sétimo Severo saiu do Egito e foi para a Ásia Menor, onde morreu antes de 215.

Obras: Exortação aos gentios, O Pedagogo, Seleções (stromata). Clemente atribui uma espécie de caráter sobrenatural à filosofia grega. Procurou fazer uma síntese entre a fé e a filosofia. Ensinava a eternidade da matéria e do mundo, acreditava no caráter sacrifical da eucaristia.

Orígenes nasceu em Alexandria, em torno do ano 184. Leônidas, seu pai, morreu como mártir em 202. Sentia um forte desejo de ir para o martírio. Foi colocado à frente da Escola de Alexandria em 203, pelo bispo Demétrio. Sua fama se espalhou por toda a parte, atraindo inclusive pagãos para suas palestras. Em 212 visitou Roma. Passou em seguida pela Grécia e pela Palestina, onde recebeu a ordenação. A mãe do imperador Alexandre Severo o chamou até Antioquia, para ouvir seus discursos. Por volta de 232 houve um desentendimento com Demétrio, que o levou a se transferir para Cesaréia, na Palestina. Lá um de seus mais fervorosos discípulos é o futuro São Gregório Taumaturgo. Morreu em 254, por causa dos ferimentos que sofreu durante a perseguição de Décio. Eusébio o apelidou de Adamántios (homem de aço) por causa do rigor de seu ascetismo.

Depois de morto, Orígenes foi condenado várias vezes e teve sua obra parcialmente destruída.

O número de trabalhos e livros que escreveu é vastíssimo, ultrapassando todos os Padres da antigüidade. Alguns exemplos: os Hexapla, onde reunia em seis colunas diversas versões do Antigo Testamento (hebraico, transcrição do hebraico para o grego, tradução de Áquila, de Símaco, dos LXX e de Teodocião), Contra Celso (apologia contra as acusações feitas pelo filósofo platônico Celso, no séc. II), Da oração, Exortação ao martírio, Disputa com Heráclides.

Orígenes imaginava a criação como um ato eterno. Era subordinacionista. Afirmou que a fé na presença real de Cristo na eucaristia é a "mais comum entre os cristãos". Atesta, sem dúvida alguma, o caráter sacrifical e expiatório da Santa Missa. Para ele, as almas dos pecadores, depois de algum tempo no Inferno, seriam regeneradas e salvas (apokatástasis pánton).

Inspirados em Orígenes e na Escola de Alexandria, muitos escritores cristãos desenvolveram suas obras: Júlio Africano, Amônio, Dionísio de Alexandria, o Grande, Gregório, o Taumaturgo, Firmiliano, bispo de Cesaréia, na Capadócia, Teognostos, Pedro de Alexandria, Pânfilo e Hesíquio.

28. São Cipriano de Cartago


Thascius Cecilius Cyprianus, nascido de uma família rica e pagã, em Cartago, entre os anos 200-210. Recebeu em 246 o batismo, sendo ordenado, dois ou três anos depois, bispo de sua cidade. Suas atividades pastorais foram interrompidas pela perseguição de Décio (250), que o forçou a se esconder. Quando muitos apóstatas começaram a ser facilmente readmitidos na Igreja surgiu um cisma.

Em 251, Cipriano volta para Cartago. Num sínodo excomungou os chefes da dissidência laxista e determinou que os apóstatas passassem por severas penitências antes de reingressarem na comunidade. A peste que atingiu o Império em 252 provocou novos sofrimentos e perseguições na África. Nos últimos anos de sua vida, teve de se preocupar com a questão do batismo dos hereges.

Cipriano considerava inválido o batismo ministrado por hereges. Mesmo com a reprovação do papa Estevão, insistiu em manter seu ponto de vista. Foi decapitado no dia 14 de setembro de 258, em Cartago, sob Valeriano. Pelo martírio certamente foi perdoado de seu erro e foi para junto de Cristo.

Escritos de São Cipriano: De ecclesia unitate (c. 251, no qual fica do lado do papa Cornélio contra Novaciano), De lapsis, De habitu virginum, De mortalitate.

No aspecto doutrinário, o bispo de Cartago ensinava que a unidade da Igreja é garantida pela união de todos com o bispo. "Salus extra ecclesiam non est", não há salvação fora da Igreja. "Quem abandona a sede de Pedro, sobre a qual está fundada a Igreja, como pode afirmar que está na verdadeira Igreja?" "Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por mãe". Os recém-nascidos devem receber logo o batismo e a eucaristia. Uma tradição só é válida quando se apóia na "tradição evangélica e apostólica", ou seja, aquela tradição que provém da "autoridade do Senhor e do Evangelho, das prescrições e das epístolas dos apóstolos". Na questão do batismo, ensina que se a verdade se desvia é preciso retornar para as origens, a tradição consignada nas Escrituras. A origem da verdade cristã é a Tradição, o ensinamento de Jesus e a pregação dos apóstolos (observemos, no entanto, que Cipriano dava muito crédito a revelações e visões particulares). O sacrifício do sacerdote é a repetição do sacrifício de Jesus na ceia: ambos representam o único sacrifício da cruz. A penitência consiste na confissão pública dos pecados e na expiação. Todos os justos defuntos (inclusive os não-mártires) recebem sua recompensa imediatamente após a morte. O estado intermediário no Hades se aplica aos penitentes somente.

29. Os sacramentos no século III

Sobre a liturgia deste período, temos várias fontes. Hipólito, em sua Tradição Apostólica, fala sobre o batismo, a eucaristia, a ordenação... Vejamos como era:

Batismo - Atestação claríssima do batismo de crianças. Logo ao amanhecer, ora-se sobre a água que vai ser usada no batismo. O sacerdote ordena a cada um dos catecúmenos que renuncie a Satanás. Os que renunciam são ungidos com o óleo do exorcismo, consagrado pelo bispo. Depois, na água, aquele que batiza pergunta ao catecúmeno se este crê no Pai, no Filho e no Espírito Santo (profissão de fé já parecida com o símbolo apostólico atual), mergulhando-o a cada resposta afirmativa. Quando saem da água, os neófitos são ungidos com o óleo de ação de graças. Todos se vestem e se dirigem para a igreja, onde recebem a imposição de mãos do bispo e são ungidos (Crisma). Depois de marcar o neófito na testa, o bispo lhe dá um beijo e diz: "O Senhor esteja contigo". O que foi marcado responde: "E com o teu espírito". Todos tomam parte na assembléia depois que recebem o sacramento da Confirmação.

Eucaristia - Os diáconos apresentam a oblação ao bispo, que impõe as mãos sobre ela e diz, com o presbitério: "O Senhor esteja convosco". A assembléia responde: "E com teu espírito". "Elevai vossos corações. - Nós os temos voltados para o Senhor. - Demos graças ao Senhor. - É digno e justo". O bispo prossegue dando graças a Deus e lembrando os feitos da História da Salvação (oração eucarística). Invoca o Espírito Santo sobre a oblação e repete as palavras de Jesus na última ceia.

Ordenação - O bispo deve ser irrepreensível e é eleito pela comunidade. Feita a escolha, o povo se reúne com o presbitério e outros bispos presentes. Os bispos impõem as mãos sobre aquele que vai ser ordenado, enquanto o presbitério fica imóvel. Todos ficam em oração pedindo a descida do Espírito Santo. Um dos bispos, escolhido por todos, impõe as mãos sobre o que está sendo ordenado e faz uma oração, lembrando os sacerdotes da antiga Aliança e pedindo a vinda do Espírito Santo. Pede para o novo bispo o poder sacerdotal, o poder de oferecer a eucaristia, perdoar os pecados, dirigir a comunidade, ligar e desligar, pastorear com sabedoria e pureza o rebanho que lhe é confiado. O clero compreende sete classes: bispos, diáconos, subdiáconos, acólitos, leitores, exorcistas e ostiários. Esta divisão, porém, não é rígida, e não exclui a possibilidade de uma pessoa desempenhar mais de uma função.

Penitência - A penitência é pública, e a reparação depende da gravidade do pecado cometido.

A Didascália, documento dos primeiros decênios do século III prescreve um jejum de seis dias antes da Páscoa.

30. Celibato e virgindade
Na época da Igreja apostólica, o celibato possui um valor positivo e é reconhecido como estado de vida ao lado do matrimônio. Tanto um como o outro eram vistos como carismas particulares. É possível que tenham havido casos de matrimônios "espirituais", em que homem e mulher viviam juntos como irmãos (Paulo fala de uma situação como esta em sua primeira epístola aos Coríntios, por volta do ano 57). No final do séc. I e no séc. II existem muitos homens e mulheres celibatários (ascetas e virgens) "em honra da carne do Senhor" (Inácio de Antioquia). A princípio, havia uma ambigüidade entre a virgindade e o estado de viuvez permanente. Por volta de 150, Justino se refere a homens e mulheres que se conservaram "incorruptos", alcançando a idade de 60 ou 70 anos. O mesmo diz Atenágoras, em torno do ano 177. Apesar disso, ainda não existe no séc. II uma forma definida para o celibato cristão.
Na virada do segundo para o terceiro século, sob influência da gnose e do encratismo, surgem apologias a favor do celibato como estado de vida melhor do que o matrimônio. Clemente de Alexandria defende a santidade do casamento e ensina que a continência só é virtuosa quando vivida por amor a Deus. Aos poucos começa a se impor um novo ponto de vista, que considera a virgindade como uma forma de matrimônio místico com o Senhor. Após o ano 200, as "virgines Deo devotae" usam véu para indicar suas núpcias espirituais (Tertuliano, Sobre a oração, 22, escrito entre 200 e 206). Mas o voto de virgindade não possui caráter de ordenação, como atesta Hipólito em sua Tradição Apostólica.
Para Orígenes (que havia se castrado depois de ler Mt 19,12, detalhe peculiar) a virgindade supera o matrimônio porque enquanto este é figura da união de Cristo com a Igreja, aquela é sua realização mística e mais perfeita. Novaciano compara a virgindade com o estado angélico e Tertuliano leva ao extremo a sua exaltação, influenciado pelo montanismo. Cipriano vê a consagração virginal como esponsais com Cristo. Ele é o primeiro a usar o termo "virgindade" para se referir ao celibato masculino. Metódio de Olimpo (+311) fala dos celibatários Elias, Eliseu, João Batista, João Evangelista e Paulo, entre outros.
A Igreja síriaca, até o séc. III, conserva o costume do celibato em família (os filhos consagrados permaneciam com os pais). Efrém reagirá contra esta prática. Hilário de Poitiers chamará de caelebs o não casado por razões de fé e de coelibatus o seu estado de vida.
Atanásio (295-373), que conhece o ideal monástico de Santo Antão, define o matrimônio como "via mundana", enquanto a virgindade é o caminho mais eficaz para alcançar a perfeição.
Quando se encerrar o terceiro século, o celibato terá finalmente encontrado seu lugar na vida e na espiritualidade cristãs: estado superior ao casamento, comparado com a condição angélica, esponsais com Cristo, núpcias místicas, oferecimento total e perfeito a Deus. O monaquismo lhe dará forte impulso.
No ano 300, o Concílio de Elvira, na Espanha, determina a obrigatoriedade do celibato para os padres e bispos da província. Com o passar do tempo esta disciplina se estenderá a toda a Igreja.

1. O cânone das Escrituras
a) O Antigo Testamento
Retrospecto histórico:
  • Na época de Jesus, os hebreus não possuíam um cânone de livros inspirados. O primeiro esboço de um cânone se acha no prólogo do Eclesiástico: "A Lei, os profetas e os outros escritos". A Lei é certamente a Torá, ou Pentateuco, que provavelmente adquiriu sua forma definitiva no tempo de Esdras. Os profetas incluem Js, Jz, 1Rs, 2Rs, Is, Jr, Ez e os doze profetas menores. Sobre os "outros escritos" não se tem uma ainda uma definição precisa.
  • A versão grega dos Setenta (LXX), feita por judeus em Alexandria entre o séc. III a.C. e o início da era cristã, incluiu os livros que hoje chamamos de deuterocanônicos, e alguns apócrifos. Não se pode dizer, no entanto, que a LXX estabeleceu um cânone normativo (os códices que nos chegaram apresentam diferenças).
  • Na Palestina, por volta de 95, Flávio Josefo (37-100) escreve uma lista que coincide com o cânone hebraico, excluindo os deuterocanônicos. Apesar disso, encontram-se em seu trabalho citações de 1Mc, 1Esd e suplementos de Est. Portanto, não podemos concluir a partir do seu testemunho que o judaísmo já tivesse fixado o seu cânone no final do séc. I.
  • Em Qumrã se encontram todos os livros protocanônicos, exceto Est. Dos deuterocanônicos foram encontrados Br 6, Tb e Eclo. Dos apócrifos, Jubileus, Enoc e o Testamento dos doze patriarcas. Aparentemente não havia uma distinção entre um cânone de livros sagrados e outros textos não-inspirados.
  • Entre os anos 90-100 houve um sínodo de rabinos na cidade de Jâmnia. Uma tese tradicional propõe que a lista definitiva dos livros do Antigo Testamento foi fixada neste sínodo. Mas não há provas concretas de que isto realmente tenha acontecido. Mesmo depois de Jâmnia a canonicidade de alguns livros continuou a ser discutida (Ecl e Ct).
Baseado nessas considerações, Valério Manucci propõe a seguinte explicação para a formação do cânone hebraico:
  • Depois da destruição do Templo, no ano 70, o judaísmo se tornou cada vez mais uma religião "do Livro", o que impôs a necessidade de determinar um cânone definitivo.
  • Várias disputas entre os fariseus e outras seitas judaicas serviram de estímulo para a fixação de um cânone.
  • Ainda que no primeiro século da nossa era houvesse uma aceitação popular de 22 ou 24 livros como inspirados, não existiu um cânone normativo até o final do séc. III.
  • O fato de os cristãos terem adotado a tradução dos LXX pode ter influenciado decisivamente a definição de um cânone mais restrito no judaísmo, excluindo os deuterocanônicos.
De resto, se realmente houvesse um cânone já estabelecido antes do nascimento de Jesus, certamente os judeus de Alexandria, fiéis às orientações dos rabinos da Palestina, não teriam inserido os deuterocanônicos na sua tradução.
Entre os cristãos, no Novo Testamento, aparece a tríplice divisão indicada no Eclesiástico (Lc 24,44). Há alusões a livros deuterocanônicos: Sb (Rm 1,19ss; Hb 8,14), Tb (Ap 8,2), 2Mc (Hb 11,34s), Eclo (Tg 1,19), Jt (1Cor 2,10) e nem todos os protocanônicos são citados (Esd, Ne, Rt, Ecl, Ct, Ab, Na, Pr). Também há alusões a livros apócrifos: Salmos de Salomão, 1 e 2 Esdras, 4 Macabeus, Assunção de Moisés e o livro de Enoc.
Jesus se serviu do Pentateuco para discutir com os saduceus (que aceitavam apenas esta parte do AT como inspirada, cfr. Mt 22,23-33; Mc 12,18-27; Lc 20,27-40) e, ao que parece, usou a Bíblia hebraica em debates com os fariseus (cfr. Mt 23,34-36; Lc 11,49-51). Esta "adaptação aos interlocutores" não nos permite dizer que Cristo tenha reconhecido um cânone para o AT, e muito menos que este cânone seja o da Bíblia hebraica.
Das 350 citações que o Novo Testamento faz do AT, 300 são da LXX. Como não havia, porém, cânone definido no período neotestamentário, os cristãos ainda não possuíam um cânone próprio.
Os Padres Apostólicos citam a versão dos LXX. A Didaqué usa Eclo e Sb. Clemente, em sua epístola aos Coríntios, se serve de Jt, Sb, Eclo, Dn e passagens de Est grego. Policarpo cita Tb. O Pastor de Hermas cita Eclo, Sb e 2Mc. Também há citações de apócrifos, como o livro de Enoc.
O mesmo se dá com outros autores do fim do séc. II e começo do séc. III, como Ireneu, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Hipólito, Cipriano e Dionísio Alexandrino. Á medida, porém, que os judeus determinavam a sua lista, as igrejas que viviam em contato com a comunidade hebraica sofriam sua influência. São Justino, quando entra em polêmica com os judeus, prefere citações apenas dos protocanônicos, mas ensina que todos os livros presentes na tradução dos LXX são inspirados, "mesmo aqueles que os judeus suprimiram arbitrariamente". Melitão de Sardes, no entanto, possui uma lista de livros do AT com quase todos os protocanônicos e nenhum deuterocanônico.
O Concílio de Laodicéia (360) defende o cânone hebraico. Mas a carta do papa Inocêncio I a Exupério de Toulouse (405) inclui o cânone completo. Mais tarde, os concílios provinciais de Hipona (393) e Cartago (I e II, 397 e 419, respectivamente) aceitarão oficialmente os deuterocanônicos como parte das Escrituras (mesmo que alguns padres, como Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Gregório Nazianzeno, Rufino e Jerônimo, se sintam ainda atraídos pela Hebraica Veritas). No Concílio de Trullo (692) a ambigüidade continua: os cânones de Laodicéia e de Cartago são sancionados ao mesmo tempo!
Só no século XV um concílio ecumênico se ocupará do assunto. O Concílio de Florença (1441) enumerará o cânone aceito pela Igreja hoje, e o Concílio de Trento, no século XVI, definirá solenemente o AT com os deuterocanônicos.
b) O Novo Testamento
O desenvolvimento do cânone do Novo Testamento, embora complicado, foi menos tortuoso que o do AT.
A segunda epístola de Pedro coloca as cartas de Paulo ao lado das "outras escrituras" (2Pd 3,16). Logo, no final do século I algumas cartas paulinas já são tidas como inspiradas. Em meados do séc. II, São Justino fala dos Evangelhos que são usados nas assembléias litúrgicas e a segunda carta de Clemente aos Coríntios (c. de 150) cita um versículo do Evangelho de Mateus.
A seleção que Marcião fez de 10 cartas de Paulo e do Evangelho de Lucas, provavelmente, fez com que os cristãos procurassem reunir sua própria coleção de escritos inspirados.
Por volta do ano 170, Melitão de Sardes chama os livros da Bíblia hebraica de "Antigo Testamento", em contraposição ao Novo Testamento da Igreja. Mas o primeiro a usar o termo "Novo Testamento" foi Tertuliano, em torno do ano 200.
Nenhum autor do séc. II ou do séc. III cita todos os livros do NT, e há livros que não são citados por ninguém (Fm e 3Jo). A lista mais antiga do NT é o famoso Fragmento Muratoriano, que indica o NT usado pela Igreja de Roma no final do segundo século. Nela não estão incluídos Hb, Tg, 1 e 2Pd, e talvez 3Jo. A lista feita por Orígenes no séc. III levanta dúvidas sobre a inspiração de 2Pd e de 2 e 3Jo. Por volta do ano 310, Eusébio distingue entre "os livros reconhecidos por todos" (emologoumenoi), "os livros discutidos" (antilegomenoi) e "os livros espúrios" (notha). Tg e Jd estão entre os discutidos.
O Cânone Claromontano, datado do séc. IV, não menciona Hb. O Cânone Momseniano, de mais ou menos 360, não fala de Hb e Jd. No Ocidente, só com as listas do final do séc. IV, feitas por Atanásio, Agostinho, pelos concílios de Hipona e de Cartago, é que se chega a um consenso. Elas coincidem com o cânone definido do Concílio de Trento. O Códice Sinaítico, do séc. IV, inclui também a carta de Barnabé e o Pastor de Hermas. O Códice Alexandrino, do séc. V, traz 1 e 2 Clemente.
As igrejas da Síria e de Antioquia usavam, no séc. IV, um cânone restrito do NT com apenas 17 livros.
Alguns livros eram discutidos porque não se podia ter certeza de sua autoria apostólica, por causa de aspectos doutrinários controvertidos ou por sua brevidade.
c) A Igreja discerniu o cânone
Desde os primeiros esboços até a definição solene, a história da evolução do cânone revela, antes de mais nada, a importância da autoridade do Magistério da Igreja, guardião da Tradição Apostólica, que soube discernir infalivelmente, entre inúmeros escritos espúrios, aqueles que o Espírito Santo havia inspirado e que formam a Palavra de Deus.
Escritura, Tradição, Igreja: elementos intimamente conectados e que não se deve separar nunca sem cair em grave erro.

32. Mani

Mani ou Manes nasceu na Pérsia em torno do ano 215. Seu pai era da seita judaico-cristã dos alexeítas. Segundo seus seguidores, aos 24 anos começou a ensinar uma doutrina dualista: existem dois princípios, um bom e outro mal, que travam um combate eterno e se personificam em Deus e no demônio. O demônio é um ser divino em pé de igualdade com Deus (influência do Zoroastrismo). Da tradição indiana, Mani aproveitou o dogma da reencarnação ou transmigração das almas. Jesus Cristo era Deus, um mensageiro da luz, a força divina que veio auxiliar o homem na luta contra o mal.
Seus discípulos seguiam uma disciplina rígida. Proclamavam-se "eleitos" e "santos". O maniqueísmo se espalhou logo, com a proteção do rei Sapor II, e chegou ao Império Romano em meados do século III. O imperador Diocleciano teve de tomar providências para inibir sua propagação.
Mani morreu no ano 270, na Pérsia, depois de julgado como herege pelo clero zoroastriano. Segundo alguns acabou seus dias na prisão, segundo outros foi crucificado e esfolado, tendo sua pele posta como ornamento em um templo iraniano.
Onde chegou, o maniqueísmo foi perseguido. Nos últimos anos do século III, começou a se tornar um perigo para a Igreja.

33. O algoz se curva diante da cruz

Quando a perseguição de Diocleciano chega ao seu apogeu acontece algo inesperado. No dia primeiro de março de 305 os dois Augustos, Diocleciano e Maximiano, renunciam ao seu posto, deixando seus lugares para os dois Césares, Galério e Constâncio Cloro.
Constâncio Cloro, senhor do Ocidente, era muito tolerante. Quando assumiu o poder, "as regiões situadas além da Ilíria, ou seja, a Itália inteira, a Sicília, a Gália e todos os países do Ocidente, a Espanha, a Mauritânia e a África, depois de terem sofrido a violência da guerra durante os primeiros anos da perseguição, prontamente obtiveram da graça divina o benefício da paz" (Eusébio de Cesaréia).
O Oriente, no entanto, teve de enfrentar a ira do César Maximino Daia, instigado por Galério. Em 306 foi publicado um edito que obrigava todos os súditos a sacrificarem aos deuses. No Egito a perseguição foi tão terrível que muitos cristãos, para fugir da desonra, cometeram suicídio. Os que não morriam eram submetidos a grandes vexações: as mulheres eram entregues à prostituição, os homens condenados a trabalhos forçados nas pedreiras e nas minas.
Maxêncio, em Roma, é tolerante. Licínio, que governa as províncias do Danúbio, também não persegue os cristãos. Constantino, filho de Constâncio, não tem a menor intenção de atacar a Igreja de Jesus.
Aos poucos o sistema da tetrarquia irá se arruinando. Lutas pelo poder, legiões revoltadas, batalhas... Os mesmos males que afligiram o Império no século anterior ressurgirão com vigor. A Igreja atravessará uma tempestade e tanto, dependendo da índole do Augusto que estiver no poder. Freqüentemente a tolerância trocará de lugar com a perseguição. No período que vai do ano 305 até o ano 324, não haverá paz no Império.
Em 311, Galério, levado por uma terrível doença e por remorsos, assina um edito, rubricado por Licínio e Constantino, encerrando a perseguição no Oriente: primeiro grande triunfo do testemunho dos mártires e prenúncio de novos tempos para a Igreja.
Maximino Daia, a contragosto, liberta os prisioneiros cristãos. Quando Galério morrer, poderá descarregar novamente sua fúria. Medidas discriminatórias, panfletos cheios de calúnias, confissões forjadas, todos os meios serão por ele utilizados para destruir a Igreja. Mas o tempo mostrará a inutilidade de seus esforços.

34. Constantino vencedor

Nascido na Sérvia, por volta do ano 280, Constantino estava destinado a mudar o rumo da História. Filho de Constâncio Cloro e de Helena, educado na corte de Diocleciano, depois de passar tempos junto de Galério, o que não o agradava muito, afastou-se quando seu pai o chamou para uma expedição na Inglaterra.
Alma complexa, reunia em si características contraditórias: ora vigoroso e impetuoso, ora desanimado e influenciável. Às vezes cheio de generosidade e clemência, outras violento e sangüinário, impiedosamente cruel. Humilde e orgulhoso, instável, instintivo, supersticioso. Foi de um ser humano assim que a Providência quis se servir para dar a vitória à Igreja.
Depois que Constâncio Cloro morreu, em 306, as legiões o proclamaram Augusto. Galério, no entanto, fez dele apenas um César. Constantino pasou a ser o detentor de todo o poder no Ocidente, provocando a inveja de Maxêncio, filho de Maximiano.
Constantino se casou com Fausta, irmã de Maxêncio. Advertido por sua esposa de que o sogro (Maximiano) armava uma conspiração para matá-lo, deu um jeito de encontrarem o ex-Augusto enforcado em uma prisão.
Em 311, após a morte de Galério, a situação de Roma fica assim: no Oriente, Maximino Daia e Licínio, no Ocidente, Maxêncio e Constantino.
Maxêncio e Constantino não estavam dispostos a dividir o poder.
Maxêncio, o Augusto, declara-se o único soberano legítimo e sucessor dos imperadores. Em 312, Constantino parte para a batalha. 40 mil ao seu lado contra 100 mil de Maxêncio. O filho de Constâncio cruza os Alpes e toma várias cidades italianas. Em 27 de outubro de 312 já avista de longe a Cidade Eterna. Um dia depois, as tropas do seu inimigo atravessam o Tibre pela ponte de Mílvio. O confronto é deflagrado e as tropas de Constantino saem vitoriosas. O exército de Maxêncio foge em debandada, enquanto este último perece no meio da confusão.
Durante a batalha, Constantino adere ao cristianismo. Segundo alguns invocou Jesus Cristo e por isto obteve a vitória. Para Lactâncio, Constantino teve um êxtase no qual recebeu a ordem de colocar sobre o escudo de suas tropas um sinal formado pelas letras gregas X (chi) e P (rô), iniciais de Cristo. De fato, tal monograma foi encontrado em moedas e inscrições constantinianas.
Eusébio de Cesaréia nos refere outra versão. Instantes antes de enfrentar Maxêncio, o imperador apelou para o Deus dos cristãos, que lhe respondeu através de um sinal celeste: uma cruz luminosa acompanhada da frase: "Com este sinal vencerás". Na noite seguinte, Jesus lhe apareceu e pediu que fizesse da cruz uma insígnia, o Labarum.
Desde então os exércitos de Constantino usaram o Labarum como estandarte.
Para alguns, a "conversão" de Constantino foi apenas uma jogada política, uma tentativa de atrair para o Império a força do cristianismo. No entanto, tal tese é muito simplista. Como a maioria das pessoas da sua época, Constantino tinha obsessão pelo sobrenatural e era muito crédulo. Talvez tenha sido movido pelo medo de um fim trágico, que aguardava todos os que se opunham ao cristianismo. De qualquer jeito, nunca saberemos com certeza o que levou o jovem e impetuoso soldado a render-se diante do crucificado. Resta-nos apenas a constatação dos fatos e de suas conseqüências.

35. O Edito de Milão

Entrando vencedor em Roma, Constantino foi bem acolhido pelo povo e pelos mais abastados. Mandou matar um filho de Maxêncio e alguns de seus amigos. Reparou os aquedutos com dinheiro do próprio bolso. Aceitou sem problemas a bajulação e as honras "divinas" dos seus súditos pagãos, autorizando inclusive a construção de um templo e a fabricação de uma estátua a ele dedicados. A transição da tolerância para a intolerância diante do paganismo será lenta.
Mandou fazer nas moedas o monograma X-P e enviou uma carta a Maximino Daia "convidando-o" a suspender a perseguição. No inverno de 312-313, o tesouro contribuiu para que fossem reconstruídos os edifícios de culto e o papa Milcíades obteve de Fausta o palácio de Latrão.
No começo do ano 313 Constantino se encontra com Licínio em Milão (Licínio acabara de se casar com Constança, irmã de Constantino). Durante dois meses eles conversam sobre diversos pontos de suas políticas e, particularmente, sobre como deve ficar a situação do cristianismo. Destas conversações nasce um acordo que hoje conhecemos como o "Edito de Milão".
Não se trata de nenhum documento especial, mas de um conjunto de cartas de Constantino e Licínio que afirmam o princípio da liberdade religiosa e, por conseguinte, dão aos cristãos pleno direito de professar sua fé "sem receio de ser incomodados".
A Igreja, oficialmente reconhecida, passa a ter direitos: seus lugares de culto, destruídos ou confiscados, devem ser restituídos. As propriedades devem retornar para as mãos dos seus donos cristãos. O cristianismo fica em pé de igualdade com o paganismo, uma religião "lícita". Licet esse Christianos.
Logo chegará o momento, porém, em que o paganismo será definitivamente suplantado pelo cristianismo.

AS CATACUMBAS CRISTÃS DE ROMA

O significado histórico e espiritual


Categoria(s): História, Mártires, Vida dos Santos

Importância das           Catacumbas para a fé Cristã :

Após uma visita virtual ou real às Catacumbas cristãs de Roma, perguntar-se: qual é a importância das Catacumbas cristãs de Roma sob o aspecto histórico e arqueológico, e qual a sua importância religiosa e espiritual?
A primeira e mais imediata impressão é que as Catacumbas são a prova histórica de que a Igreja das origens foi uma Igreja de mártires. Estes foram muitíssimos, e as Catacumbas conservaram o seu testemunho. Propomo-nos aprofundar, neste “caminho”, a questão do número dos mártires romanos, do significado do martírio, das causas das perseguições e do seu desenvolvimento.
Outro aspecto importante das Catacumbas é o testemunho que dá sobre a vida da Igreja primitiva, a continuidade da nossa fé em relação a dos primeiros séculos, a sua espiritualidade, e a atração que exerceram sobre os cristãos no decorrer dos séculos.
” Visitando esses monumentos, entra-se em contato com sugestivas marcas do Cristianismo dos primeiros séculos e pode-se, por assim dizer, tocar com as mãos, a fé que animava aquelas antigas Comunidades cristãs. Percorrendo as galerias das catacumbas, descobrem-se não poucos sinais da iconografia da fé: o peixe,a âncora, imagem da esperança; a pomba,“In Cristo”. Constituem outros tantos testemunhos do fervor espiritual que animava as primeiras gerações cristãs. Aproximando-se daquele mundo, os cristãos de hoje possam tirar encorajamentos úteis para suas vidas e para um mais incisivo empenho na nova evangelização ” ( papa João Paulo II)

Não se sabe o numero exato dos  mártires
Os historiadores pensam que foram, aproximadamente, alguns milhares; as Atas dos Mártires, que são os protocolos judiciários dos processos aos cristãos, conservaram-nos a lembrança de muitos mártires, mas não podemos tirar delas a sua lista completa. Segundo Tácito, na grande perseguição desencadeada por Nero, eles foram uma «ingens multitudo». Clemente de Roma fala de «uma grande multidão de eleitos». O martirológio de Jeronimo enumera bem 979. Cipriano, em seguida, escreverá que «o povo dos mártires foi incalculável» («martyrum innumerabilis populus»).
Será, porém, nas Catacumbas, que encontraremos o testemunho dos mártires, mais do que nos escritores cristãos do tempo, Catacumbas às quais estava ligado o culto dos mártires.
Acenemos brevemente aos mártires mais conhecidos das Catacumbas romanas abertas ao público. Só nas Catacumbas de Calisto foram sepultados bem 46 mártires, conhecidos pelo nome.
Entre eles os bispos mártires:
Zeferino, Ponciano, Fabiano, Sisto II, Eusébio, Cornélio; os quatro diáconos do bispo Sisto II, Cecília, Sótere, Marcos e Marceliano, Calógero e Partênio, Cereal e Salústio, Tarcísio, etc.
Em Domitila os mártires:
Nereu e Aquiles; em San Sebastiano, o próprio titular da Catacumba e Máximo; em Priscila, os mártires Feliz e Filipe, Marcelino bispo, Crescencião, Prisca, Paulo, Mauro, Simétrio e seus muitos companheiros; em Agnese, a adolescente mártir, que dá nome à Catacumba, e Emerenciana.
Outras Catacumbas, situadas ao longo das vias consulares, conservam a lembrança de numerosos mártires.
Aos mártires conhecidos pelo nome e venerados na Igreja dos primeiros séculos, devemos acrescentar um número certamente muito maior dos desconhecidos, que foram sepultados nas Catacumbas.
Os mártires pertencem a toda categoria de idade, sexo, proveniência social, profissão e cultura.
Eles são modelos para os cristãos de qualquer lugar e de qualquer época. São as testemunhas de uma fé invencível, de uma fidelidade total a Cristo confirmada com a oferta da própria vida.
A importância e o valor ecumênico do martírio na Igreja das origens, como também na Igreja do nosso tempo, deve ser ressaltada, «A Igreja do primeiro milênio nasceu do sangue dos mártires: “Sanguis martyrum semen christianorum” (Tertuliano).
Os acontecimentos históricos ligados à figura de Constantino o Grande jamais teriam garantido o desenvolvimento da Igreja, verificado no primeiro milênio, se não houvesse a semeadura de mártires e o patrimônio de santidade que caracterizaram as primeiras gerações cristãs.
É um testemunho que não deve ser esquecido. A Igreja dos primeiros séculos, embora com notáveis dificuldades organizativas, preocupou-se em fixar em martirológios especiais o testemunho dos mártires. Esses martirológios foram atualizados constantemente ao longo dos séculos, freqüentemente ignorados, como “soldados desconhecidos” da grande causa de Cristã, É preciso que as Igrejas façam de tudo para não deixar perecer a memória de quantos padeceram o martírio, Isso poderá ter também um grande respiro e eloquência ecumênica.
O ecumenismo dos santos, dos mártires, talvez, seja o mais convincente». As perseguições e suas causas.
Desde sua origem, o cristianismo difundiu-se rapidamente em todo o império romano, exercendo um fascínio irresistível em todas as classes sociais.
Ele propunha, com efeito, um estilo de vida novo, fundado na liberdade e no amor: estilo que se diferencia radicalmente daquele da sociedade e da religião romanas.
Quantas foram as perseguições e quanto tempo duraram?
A primeira grande perseguição durou quatro anos, desde o incêndio de Roma de 19 de julho de 64 até 9 de junho de 68, morte de Nero.
Seguiu-se um período de mais ou menos três anos de completa tranqüilidade.
Domiciano (81-96), que tinha acentuado o culto do imperador, desencadeou uma breve perseguição nos últimos dois anos.
No segundo século estourou uma nova perseguição sob Trajano (98-117), devido à proibição de criar sociedades que não fossem autorizadas (as “hetérias”).
A quarta grande perseguição aconteceu no tempo de Marco Aurélio (161-180), quando o império foi afligido por carestias e pestilências e ameaçado pelos bárbaros.
Os cristãos foram acusados de todas essas calamidades. Iniciando o terceiro século, sob Setímio Severo (193-211) deram-se outros fenômenos de perseguição desencadeados pelo furor popular contra os cristãos, declarados inimigos públicos e acusados de lesa majestade.
Não parece, contudo, que o imperador tenha publicado qualquer edito de perseguição.
Uma perseguição de natureza mais política e pessoal que religiosa foi ordenada por Maximino Trace (235-238), que se enfureceu contra os que apoiavam o seu predecessor Alexandre Severo, entre os quais muitos cristãos,.
Em 244 assumiu o poder imperial o cristão M. Júlio Filipe (244-249), que nos cinco anos de reinado se opôs decididamente aos ambientes mais intransigentes do paganismo e ao fanatismo das multidões.
Foi, por isso, odiado e desprezado por eles como traidor da religião e da tradição pagãs. Seu adversário Décio (249-251) praticou uma política de restauração da antiga religião nacional romana. Com um edito de 249-50 ordenou que todos os súditos do império oferecessem publicamente um sacrifício propiciatório (uma “supplicatio”) aos deuses da pátria.
Uma das primeiras vítimas foi o bispo Fabiano. A perseguição foi breve, mas muito intensa e geral. O sucessor de Décio, Treboniano Galo (251-253), por ocasião de uma nova grave peste que devastou todo o império, ordenou sacrifícios expiatórios (holocausto), dos quais os cristãos não podiam participar, desencadeando, como reação, o ódio e o furor do povo.
No tempo de Valeriano (253-260) a perseguição, de individual e limitada em determinadas regiões, tornou-se coletiva e geral; ou seja, o cristianismo foi perseguido em todo o império como igreja, como hierarquia, como estrutura.
Foi imposto o fechamento dos edifícios sacros, o confisco dos cemitérios (edito de 257), a pena de morte para os chefes religiosos (bispos, e diáconos); a perda da dignidade e o confisco dos bens para todos os demais cristãos (edito de 258).
A perseguição cessou substancialmente no ano seguinte, com a captura do imperador na guerra persa (259), mas foi retomada de forma violenta e generalizada por Diocleciano e Galério nos inícios do século IV com os editos de 303 e 304. Estes impunham a destruição das igrejas, a entrega dos livros sacros e a ordem a todos os cristãos de sacrificar aos deuses, sob pena de condenação à morte.
Com o edito de tolerância de 311 e o edito de Milão de 313, cessaram as perseguições e foram concedidas à igreja plena liberdade de culto e a restituição dos bens eclesiásticos confiscados. A religião cristã foi abertamente reconhecida como “religio licita”, mas só em 394 o imperador Teodósio I obrigará o Senado a decretar a abolição do paganismo em todas as suas formas e, a partir daquele momento, o Cristianismo torna-se a religião oficial do império romano.
As Catacumbas fazem-nos reviver a vida da primitiva Roma cristã.
É verdade que as Catacumbas são apenas cemitérios, mas falam-nos com o testemunho histórico de um patrimônio riquíssimo de pinturas, esculturas, inscrições que ilustram os usos, os costumes, a vida dos antigos cristãos, a sua cultura, a sua fé. De fato, toda comunidade que vive, exprime-se e traduz a própria vida necessariamente em documentos escritos ou visuais.
Os cemitérios, em muitas civilizações, são lugares onde “objetiva-se” a interpretação da vida e da morte.
Assim, por exemplo, a maior parte do que conhecemos da cultura egípcia provém dos túmulos.
As Catacumbas não contam apenas a história das perseguições, do holocausto e do culto dos mártires; apresentam também com clareza a fé da Igreja apostólica e dos primeiros séculos.
A visita aos túmulos dos Apóstolos e às Catacumbas, memorial dos mártires, é um retorno às raízes, às fontes antigas da fé e da vida da Igreja dos primeiros séculos.
«As Catacumbas são o seu testemunho histórico. Elas foram definidas com razão como
«o berço do cristianismo e o arquivo da Igreja das origens».
Evidencia-se, na espiritualidade das Catacumbas” a fé da Igreja primitiva, sobretudo na centralidade de Cristo.
A espiritualidade das Catacumbas é cristocêntrica, sacramental, social, escatológica, bíblica, nova e transformadora. Ela não é só uma documentação da fé da Igreja primitiva, mas um estímulo forte a renovar pessoalmente a fé e o testemunho na vida pessoal.
Os peregrinos, que visitam todos os dias as Catacumbas, percebem o seu aspecto apologético e vêem a visita como uma verdadeira experiência espiritual.
São sobretudo os jovens que descobrem o valor religioso das Catacumbas.
As Catacumbas tiveram a pureza da fé dos primeiros cristãos, a oferta total de suas vidas, num lugar escuro e repelente, encontramos um lugar que irradia paz e graça, uma verdadeira e própria lição de vida, diante da coragem daqueles homens e mulheres, que revelam o segredo íntimo da espiritualidade da Igreja dos primeiros séculos em seu espírito jovial de conquista e martírio.
Esse é o motivo pelo qual desenvolveu-se desde o início o culto dos mártires. Os cristãos sentiram a necessidade de reunir-se junto de suas sepulturas para festejar o aniversário do martírio daqueles gloriosos soldados da fé.
Milhões de visitantes de todas as partes do mundo, ao longo dos séculos, fizeram uma peregrinação às Catacumbas cristãs de Roma, e pereceberam o humilde esplendor do primitivo testemunho cristão, acolhidos pelos mártires da Igreja e pelos inúmeros cristãos que testemunharam a própria fé na vida de todos os dias.
Os peregrinos vindos de todas as regiões do império: do Oriente, bispos ilustres como Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Abércio de Gerápoles, e simples fiéis, porque todos – segundo João Crisóstomo – «olham para Roma com seus dois luminares Pedro e Paulo, cujos raios clareiam o mundo». As Catacumbas são ao longo dos séculos meta significativa de tantos peregrinos.
Não há, com efeito, lugar mais apto do que este para reafirmar e testemunhar a própria fé.
Mural de Fotos:







As catacumbas conservam, entre outras coisas, os túmulos dos primeiros mártires, testemunhas de uma fé límpida e muito sólida, que os levou, como «atletas de Deus», a vencer a prova suprema. Muitos sepulcros dos mártires ainda são conservados no interior das catacumbas e gerações de fiéis detiveram-se em oração diante deles. Também os peregrinos do Jubileu do Ano 2000 irão aos túmulos dos mártires e, elevando as orações aos antigos defensores da fé, hão-de voltar o seu pensamento para os «novos mártires», para os cristãos que, no passado não muito distante e também nos nossos dias, são submetidos a violências, injustiças, incompreensões porque querem permanecer fiéis a Cristo e ao seu Evangelho.
No silêncio das catacumbas, o peregrino do Ano 2000 pode reencontrar ou reavivar a própria identidade religiosa numa espécie de itinerário espiritual que, iniciando com os primeiros testemunhos da fé, o leva até às razões e às exigências da nova evangelização.
Caríssimos, a consciência destes valores há pouco acenados, mas que bem conheceis, vos sustente no vosso característico serviço eclesial e cultural. Para isto, enquanto invoco sobre vós a solícita assistência de Maria Santíssima, a todos concedo de coração uma especial Bênção Apostólica, que faço extensiva também às pessoas que vos são queridas.  PAPA JOÃO PAILO II




































































Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...